sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Emerson, sobre a cultura


"Uma expressão fisionômica feliz e inteligente é o fim da cultura, e eis aí um sucesso suficiente. Porque mostra que o fim da Natureza e da sabedoria é alcançado" (Emerson em A conduta da Vida).

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Sócrates e a juventude


Dizem que o sábio Sócrates gostava muito da garotada de Atenas. Posso vê-lo rodeado de amigos de todas as idades, mas principalmente de gente nova. Podia ser diferente? Sócrates era uma mensagem que só as almas menos contaminadas podiam receber. Suspeito que agrade ao ar puro ser devorado por pulmões jovens.
A juventude de Sócrates e a nossa juventude devem ser diferentes em tudo, menos na capacidade de surpreender! Hoje mesmo soube que meu sobrinho quer estudar filosofia na UFRGS....uma informação estarrecedora, se considerarmos a natureza dos tempos. Explico melhor.
De um lado, o filósofo tornou-se um profissional equipado com ferramentas para resolver conflitos teóricos. Um homem de gabinete, de papers, de esforços que talvez façam pouca justiça às aspirações, inquietude e voracidade que domina a cabeça de certos guris e gurias de nosso tempo. Precisávamos de um novo Sócrates para lidar com eles, para vocalizar, alimentar e combater ao seu lado, alguém cuja personalidade combinasse as artes do professor e do guia espiritual, pois eles estão, sem dúvida, buscando homens desse feitio. Imagino que a maioria dos filósofos de hoje (dentre os quais me incluo) não saberá conduzi-los por essas lições difíceis.

De outro lado, é estarrecedor que alguém queira ser filósofo, pois o mundo tornou-se avesso a qualquer promessa de pensamento; tornou-se avesso ao distanciamento. O nosso mundo é o mundo da absorção; a absorção que salva, que faz esquecer, mas também a absorção que cega e esconde a praia deserta.

Só nos resta torcer para que saia de dentro de nós um Sócrates moderno, assim como continua saindo de dentro de nossos filhos o desejo imenso de prescrutar as fronteiras do homem....um trabalho para o qual não há época, nem idade adequada para começar.

Sócrates afastando Alcebíades do vício, obra do pintor imperial Pedro Américo.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Mais abacate...


Aos blogueiros e nautas que passeiam por aqui
recomendo que, no próximo ano, andem pelados;
cruzem avenidas novas,
tenham menos açucar no sangue e mais fome na cabeça
que brinquem com os filhos, estejam com seus parceiros,
com as mochilas vazias
nessa nobreza ou vanguarda que é persistir.

Recomendo que lancem fora as mordidas,
os beijos, que reverenciem o cheiro das coisas
e rompam a coberta larga da expectativa,
liberem o novo conhecimento
sobre os poros do firmamento ilustre.

Recomendo desejo, flores e frases douradas
doses de amor viciado;
estejam em várias partes
estejam do meu lado.

F.

O amor


Meus amigos filósofos, na imensa maioria, são metafísicos ou lógicos. Até onde sei, estão quase sempre preocupados em resolver questões como estas: qual a estrutura essencial do mundo? existe liberdade humana? é possível o auto-conhecimento? a quê nossos pensamentos se referem? as proposições dizem algo?
Mas se encontrasse um filósofo hoje (e não devo encontrar, pois não vou sair de casa) perguntaria: o amor romântico é possível? Nos últimos anos tem se aguçado em mim a crença de que as experiências de amor são muito frágeis. Lá no fundo, no entanto, acho que o amor é mais do que as experiências que vivi. Minha alma anseia por uma experiência perene, uma rocha firme para me abraçar e apreciar o vaivém das ondas da vida. Gostaria de saber se tal imagem é real, pois não consigo determinar qual é a alternativa verdadeira dentre essas três opções: a) minhas imagens do amor são vazias; b) o amor possível é o amor frágil c) vivi um amor real, profundo e verdadeiro sem ser capaz de reconhecer!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008


"O riso é imediato. Ver o presidente dos Estados Unidos a encolher-se atrás do microfone enquanto um sapato voa sobre a sua cabeça é um excelente exercício para os músculos da cara que comandam a gargalhada. Este homem, famoso pela sua abissal ignorância e pelos seus contínuos dislates linguísticos, fez-nos rir muitas vezes durante os últimos oito anos".....

Recomendo a leitura no blog do Saramago.

domingo, 14 de dezembro de 2008

O que pode atormentar o homem?


Quando a vida complica, nada melhor do que filosofia estóica, café e silêncio!

Da vida humana, a duração é um ponto; a substância, fluída; a sensação, apagada; a composição de todo o corpo, putrescível; a alma, inquieta; a sorte, imprevisível; a fama, incerta.
Em suma, tudo que é do corpo é um rio; o que é da alma, sonho e névoa; a vida, uma guerra, um desterro; a fama póstuma, olvido.
O que, pois, pode servir-nos de guia? Só e única a Filosofia. Consiste ela em guardar o nume interior livre de insolências e danos, mais forte que os prazeres e mágoas, nada fazendo com leviandade, engano ou dissimulação, nem precisando que outrem faça ou deixe de fazer nada, acatando, ainda, os eventos e quinhões que lhe tocam, como vindos da mesma origem qualquer donde vem ele próprio; sobretudo, aguardando de boa mente a morte, qual mera dissolução dos elementos de que se compõe cada um dos viventes (Marco Aurélio, Meditações, col. pensadores, p. 269)

Cartesiano




Quanto mais leio Descartes, mais gosto e mais lamento nossos métodos superficiais de ensino filosófico. Muita gente argumenta que fazer um curso de filosofia no Brasil não é a melhor maneira de aprender a filosofar. Eu já acho que fazer um curso de filosofia não é nem mesmo a melhor maneira de aprender o que os filósofos mais importantes pensaram. Para entender um pensamento é preciso entender o homem por trás do pensamento. Foi Nietzsche que disse que é preciso advinhar o pintor para entender o quadro. Essa tarefa exige tempo, exige intenção ou desejo de abertura, exige um espírito nobre...nada que combine com as fastidiosas disputas e investigações sobre o significado da frase x, do livro y.

"Seguidamente faria notar a utilidadade desta Filosofia e mostraria que, uma vez que se estende a tudo o que o espírito humano consegue saber, devemos acreditar que apenas ela nos distingue dos mais selvagens e bárbaros, e que uma nação é tanto mais civilizada e polida quanto melhor os seus homens filosofarem: e assim, o maior bem de um Estado é possuir verdadeiros filósofos. Além disso, para cada homem em particular é útil não só viver com os que se aplicam a tal estudo, mas também é incomparavelmente melhor que cada qual se aplique a ele, pois vale muito mais servimo-nos dos nossos próprios olhos para nos conduzirmos e desfrutarmos, por seu intermédio, da beleza das cores e da luz, do que mantê-los fechados e dispor apenas de si própria para se conduzir. Ora, viver sem filosofar é ter os olhos fechados e nunca procurar abri-los; e o prazer de ver todas as coisas que a nossa vista descobre não é nada coomparado com a satisfação que advém do conhecimento daquilo que se encontra pela Filosofia" (DESCARTES, R. Princípios de Filosofia. Lisboa: Edições 70, p. 16).

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Bonita essa foto do filósofo romeno Emil Cioran. Mais bonita ainda é a passagem abaixo sobre o fanatismo. Imagino que o amigo César goste muito dela, embora eu a julgue um pouco exagerada. Entre aqueles que tinham uma "concepção da vida" contam-se bons homens. As mortes e a dor que a crença na verdade produziu não podem ser pretexto para a irrazão e o cinismo, para transformar o absurdo em espetáculo. Embora não conheça, suspeito que o pessimismo do Cioran acabe nessas terras. Deve haver algo como uma luz radiante sobre toda essa bagunça e desvios que percebemos cá no mundo sublunar, deve haver a realidade de Platão, uma idéia do Bem tranquilizadora, governando tudo. O problema, como sempre, somos nós os cegos e rotos que tateiam na escuridão. A passagem completa está no blog do Antonio Cicero.

Em um espírito ardente encontramos o animal de rapina disfarçado; não poderíamos defender-nos demasiado das garras de um profeta... Quando elevar a voz, seja em nome do céu, da cidade ou de outros pretextos, afaste-se dele: sátiro de nossa solidão, não perdoa que vivamos aquém de suas verdades e de seus arrebatamentos; quer fazer-nos compartilhar de sua histeria, de seu bem, impô-lo a nós e desfigurar-nos. Um ser possuído por uma crença e que não procurasse comunicá-la aos outros seria um fenômeno estranho à terra, onde a obsessão da salvação torna a vida irrespirável. Olhe à sua volta: por toda parte larvas que pregam; cada instituição traduz uma missão; as prefeituras têm seu absoluto como os templos; a administração, com seus regulamentos — metafísica para uso de macacos... Todos se esforçam por remediar a vida de todos; aspiram a isso até os mendigos, inclusive os incuráveis: as calçadas do mundo e os hospitais transbordam de reformadores. A ânsia de tornar-se fonte de acontecimentos atua sobre cada um como uma desordem mental ou uma maldição intencional. A sociedade é um inferno de salvadores! O que Diógenes buscava com sua lanterna era um indiferente.

CIORAN. Breviário de decomposição. Rio de Janeiro: Rocco, 1989

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Mais uma do Barão

"Nunca desista do seu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra!” (Barão de Itararé)



quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Saramago sobre as chuvas e mortes em Santa Catarina



No Brasil, entre entrevista e entrevista, fico a conhecer duas notícias: uma, a má, a terrível, que o temporal que de vez em quando desaba sobre São Paulo para deixar, minutos de fúria depois, um céu limpo e a sensação de que não se passou nada, no sul causou pelo menos 59 mortos e deixou milhares de pessoas sem casa, sem um tecto onde dormir hoje, sem um lar onde seguir vivendo. Notícias destas, apesar de tantas vezes lidas, não podem deixar-nos indiferentes. Pelo contrário, cada vez que nos chega a voz de um novo descalabro da natureza aumenta a dor e a impaciência. E também a pergunta a que ninguém quer responder, embora saibamos que tem resposta: até quando viveremos, ou viverão os mais pobres, à mercê da chuva, do vento, da seca, quando sabemos que todos esses fenómenos têm solução numa organização humana da existência?
Leia mais no blog desse grande escritor

"entendam-se bem essas palavras e se verá que expõem de maneira excelente as verdadeiras fronteiras e limites em que se encerra e circunscreve o conhecimento humano; e isso ainda sem tanta constrição ou restrição, mas que ele pode compreender toda a natureza universal das coisas. Pois essas limitações são três. A primeira, que não situemos nossa felicidade no conhecimento a ponto de esquecer nossa mortalidade. A segunda, que apliquemos nosso conhecimento de modo que nos dê repouso e contentamento, e não inquietude ou insatisfação. A terceira, que não tenhamos a presunção de, pela contemplação da natureza, alcançar os mistérios de Deus" (p.22).


(Francis Bacon, O Progresso do Conhecimento, na bela edição com capa dura da editora da Unesp, com tradução, apresentação e notas de Raul Fiker).

domingo, 16 de novembro de 2008

Coisas para fazer em Santa Cruz quando se está morto

1- Ler Montaigne
2- ouvir ópera triste
3- dar colinho e uns apertos na Chiquinha
4- apreciar as cores da primavera.

"Tenho a intenção de viver tranqüilamente, sem me aborrecer, durante o tempo que me resta, e não desejo quebrar a cabeça com o que quer que seja, nem mesmo com a ciência que muito prezo.
Não busco nos livros senão o prazer de um honesto passatempo; e nesse estudo não me prendo senão ao que possa desenvolver em mim o conhecimento de mim mesmo e me auxilie a viver e morrer bem, "essa meta para onde deve correr o meu corcel".
(Montaigne, Ensaios, Capítulo X, Dos Livros)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008


Tenho a impressão, injusta talvez, que as coisas sempre são, para mim, mais difíceis. Não que o mundo tenha sido ingrato. Antes o contrário. Minha vida é boa demais. É que o mais leve acontecimento exige-me uma presença de ser completa, de modo que ando sempre de corpo e alma atirado em tudo....até nas coisas mais banais. É claro que esse é meu juízo e quem me assiste pode nem concordar. Muitos imaginam que sou um cara tranquilo, que leva a vida numa boa. Vez ou outra, no entanto, até um homem enganado deve ter o direito de falar o que pensa. E o que eu queria dizer hoje é que entrego para a vida todas as minhas forças. Se meus resultados não são valiosos, se falta força à minha prosa, se minha voz é fraca, talvez seja por uma falta de aptidão para o mundo, pois, da minha parte, devo dizer que me lanço deslumbrado em cada instante, me alegro e entristeço, canso e descanso, amo e odeio, cuido e adoeço, sempre no limite extremo. E essa tem sido toda minha desgraça..sentir sem saber ser prático, objetivo e direto como os homens mais preciosos e brilhantes conseguem ser. Invejo e admiro aqueles que dizem: "as coisas são assim", "isso aqui se resolve dessa maneira...vês como é simples". E eu, catatônico, que só queria tangenciar por um instante as barbas da verdade, vivo vagando daqui prá lá, fascinado com poesia, com frases significativas, sempre longe dessa habilidade de apanhar e reter as coisas com uma luz cristalina. Numa certa época minha memória até inventou uma frase do William Yeats que elogiava os ineptos (como eu). Era mais ou menos assim: "os melhores homens são frios e os piores são cheios de intensidade apaixonada". Naturalmente eu me encontrava na segunda categoria. Mas nem essa frase eu acertei, pois o que ele diz é coisa bem diferente:
"Rompem-se as coisas. O centro não mais agüenta/Mera anarquia anda solta sobre o mundo/A maré sangrenta não é contida/E por toda parte afogada a cerimônia da inocência/Privados os melhores de qualquer convicção/E cheios os piores da apaixonada intensidade" (William B. Yeats).




Escrevi esse texto dias atrás. Agora ele tá meio caduco, pois o Grêmio voltou a jogar. Talvez a parte etérea justifique a publicação.

Aproveitei um desses últimos domingos nublados para fugir de mais uma das lamentáveis apresentações do Grêmio. Reconheço agora que minha decisão foi das mais sábias. Evitei uma decepção e consegui ver a bela biografia do médico espírita Bezerra de Menezes que está em cartaz no Cine Santa Cruz.

Não tenho preconceito nenhum contra qualquer religião. Leio textos religiosos de várias tradições sempre com muito proveito e felicidade da alma. Gosto mais de algumas religiões, aquelas que estão mais próximas das minhas inclinações. Mas não creio que haja algo como uma “religião verdadeira”. Não creio que haja tal coisa, pois me parece haver uma comunhão de princípios básicos entre as diferentes religiões do mundo. Bezerra de Menezes manifesta, bem no início do filme, dois desses princípios: a natureza humana como espírito e a existência de Deus (o ser supremo). O primeiro princípio é admitido por qualquer credo não materialista, qualquer credo que admita a sobrevivência da alma após a morte. A diferença crucial é que muitas religiões, especialmente orientais e o espiritismo, acreditam que podemos renascer como corpo, enquanto outras negam tal possibilidade.

Já escrevi essa frase várias vezes: acredito que a vida seja um processo de aperfeiçoamento moral e espiritual. Não sei quantas vezes nos será dada a oportunidade de aprimorar nosso ser...aprimorar no sentido mais comum do termo. Talvez seja uma apenas, como é comum pensar na maioria das religiões do Ocidente. Se for apenas uma, temos que aproveitá-la maximamente e viver na direção dos melhores propósitos que uma vida humana permite.

Bezerra de Menezes me parece ter mostrado, independentemente de suas crenças particulares, o que é um bom direcionamento, um bom caminho de vida. E esse foi justamente o elemento que mais me chamou a atenção no figura desse brilhante médico cearense. Não foi saber que ele fez certas coisas por ser espírita ou católico, foi saber que ele não viveu para sua glória pessoal ou para as convenções da sociedade carioca, mas viveu pela grandeza de seus ideais pátrios, ideais abolicionistas e do fim dos maus-tratos aos irmãos negros, viveu para cultivar a dedicação aos outros e o espírito da caridade. Essa é a lição mais tocante que a vida de um crente, de um homem piedoso, pode ofertar.

Numa altura do filme ele discursa num enorme salão, cheio de pessoas importantes e professa publicamente suas crenças espíritas. Ele afirma algo como “a salvação está na caridade”. Não conheço o sentido do termo caridade nos textos espiritualistas. Até onde sei a caridade no texto bíblico de São Paulo é uma tradução do termo grego “ágape”, comumente traduzido por “amor ou caridade”, embora o termo grego pareça significar mais literalmente algo como “amor universal”. Considero que Bezerra de Menezes foi um bom exemplo desse amor universal, um amor difícil de traduzir em palavras, uma experiência (como ele relata) que talvez nunca ninguém nos tenha falado, mas que descobrimos em nossos melhores momentos, por se tratar de uma semente plantada em nossas almas.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Emerson


Um tributo ao meu entusiasmo pela vitória do Obama: Ralph Waldo Emerson, o primeiro grande herói americano.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008


A Universidade é o lugar do saber, mas dentro dela se diz muita besteira e, de besteira em besteira, algumas viram, injustamente, verdade. Hoje em dia tornou-se comum, especialmente entre intectuais das humanidades, utilizar o adjetivo "cartesiano" como sinônimo de um pensamento filosófico dominado por uma atmosfera positivista, responsável pela compartimentalização do saber e outras desventuras do pensamento. Ouvi da boca de vários "doutores" bem formados esse tipo de acusação, como se nada além da expressão "cartesiano" fosse suficiente para condenar estratégias de análise e solução de problemas nessas áreas.
Eu, aqui no meu canto, devo dizer que quanto mais leio, mais me convenço do quão brutalmente enganosas são tais generalizações. Se não se pretende perder tempo conhecendo o sistema metafísico de Descartes, já seria profícuo se os acusadores de Descartes, esses magos dualistas especializados na rica sistemática de catalogação do bem e do mal, lêssem duas ou três páginas do tratado As paixões da Alma, pois tal leitura será mais do que suficiente para fazê-los reconhecer definitivamente que as coisas não são bem assim. Mas, como bem lembrava nosso filósofo, a vontade firme de conhecer o que é correto não é um bem fartamente distribuído no mercado humano.

"E, embora deva bastar aos que são por natureza um pouco mais lentos que, mesmo ignorando muitas coisas, possam ser sábios à sua medida, desde que retenham a vontade firme e constante de nada omitir que conduza ao conhecimento do que é correto e, além disso, de executar tudo o que julgarem correto, com o que se tornarão agradáveis no mais alto grau a Deus, no entanto, muito superiores são aqueles nos quais encontramos, juntamente com uma firmíssima vontade de agir, uma inteligência perspicassíssima e o máximo zelo em conhecer a verdade". (Carta Dedicatória a Princeza Elizabeth)

domingo, 26 de outubro de 2008

O futuro da filosofia


Não sei o que vai ser da filosofia no futuro, mas eu ando enlouquecendo com minhas descobertas sobre a filosofia feita no passado.

Não sei que caminho a humanidade vai tomar no futuro, mas acharíamos mais facilmente nosso estrada se olhássemos para trás.

Não sei, não sei, não sei. Um dia eu vou abrir a boca e desembuchar tudo, tudo mesmo, sem medo. Pode ser que ninguém acredite em mim ou pense que sou louco. Que seja! A vida é o que mesmo? (Trecho do Manuscrito inacabado de Bukowski)

sábado, 25 de outubro de 2008



Leia no Diario Gauche

Com o sistema financeiro em crise, a teoria marxista ganha novo fôlego. As vendas de O Capital, a obra maior de Karl Marx, estão “aumentando visivelmente”, disse Jörn Schütrumpf da editora Karl-Dietz-Verlag. A informação é da Agência France Press.

“Marx está de novo na moda e a procura das suas obras, em alta”, explicou Schütrumpf ao jornal Neue Ruhr Neue Rheinzeitung.

Segundo a editora de Berlim, o primeiro tomo de O Capital já vendeu este ano 1,5 mil exemplares, contra 500 em 2005, e as vendas vão continuar a aumentar até ao fim do ano, assegurou o editor.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

terça-feira, 21 de outubro de 2008


Acordo, mas continuo dormindo.
Ando pela casa e a Chica não sai do meu pé.
A primavera em cores
Os dias nunca foram tão bonitos.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008


Apesar do relativo e sempre detestável stress que experimento quando faço qualquer apresentação pública, vivi bons momentos no XIII Encontro Nacional de Filosofia da Anpof, em Canela. Meus camaradas da UFRGS e de outras universidades tornaram possível compreender que a melhor coisa da vida, antes mesmo do trabalho, são as experiências de partilha. A lista das coisas significativas que fiz na vida não incluem, certamente, as comunicações nos vários encontros da Anpof. Já o convívio com os amigos está, seguramente, entre as melhores porções dos meus dias.


Algo, no entanto, me deixou triste. Soube que o Prof. Porchat (foto acima) não está muito bem de saúde. Tive a felicidade de ser aluno do Porchat através do convênio da UFSM com o mestrado da USP. Nossas aulas aconteciam numa pequena sala no subsolo do prédio da Filô, onde líamos, respondíamos questões e apreciávamos criticamente o belo livro do Stroud, The Significance of Philosophical Scepticism. Os estudiosos do ceticismo no Brasil devem muito aos belos trabalhos, aulas e orientações do Porchat; devem não apenas no sentido acadêmico, mas sobretudo pelo influxo da personalidade do mestre. Porchat é um professor brilhante, inesquecível, além de ser um doce de pessoa. Quando o conheci, em 93, ele já estava velhinho, mas lembro que afirmava categoricamente e com muito bom humor que "velhos são as pessoas que têm dois ou três anos mais do que eu". Certo dia fomos almoçar no restaurante dos professores da USP. Os preços do restaurante eram bem caros e ele fez questão de pagar para todos nós. Quando chegamos na sala de aula, depois do almoço, ele lembrou que havia esquecido de dar gorjeta para o garçom. Atrasamos a aula, voltamos para o restaurante e descobrimos que ele já havia dado gorjeta, mas não lembrava.

Espero que ele melhore logo e possa, novamente, participar dos encontros do GT ceticismo.
Leia uma boa resenha sobre o livro organizado em homenagem a ele no blog do Piva.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Scooby


Estamos de luto. O Scooby morreu segunda-feira. Ele teve uma infecção depois da cirurgia, já estava bem fraquinho e não resistiu. Embora muito triste, resolvi ver a morte dele dentro do esquema da vida: ninguém existe prá sempre e o Scoobynho teve uma vida muito feliz. Era alegre, conhecido e querido por todos nas redondezas, teve várias namoradas e já estava velhinho.
Fica agora esse vazio da casinha sozinha, a lembrança dos gemidos dele pedindo prá entrar, os passeios e brincadeiras com a Chiquinha. Mas a Chica, que é filha do Scooby, está ajudando a acalmar nossa dor. Que Deus cuide bem dele no céu canino!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008


Em tempos de Brasil a mil, sempre é bom dar uma pausa socrática e pensar um pouco em quão longe realmente poderemos ir. Tudo bem que esse tipo de conversa pode parecer um anti-clímax, uma espécie de banho-de-água-fria de um cara neurótico e pessimista. Afinal, fazem décadas que a economia de nosso país não mostrava tanto fôlego, décadas que não víamos otimismo e um discurso de esperança de melhorias no atendimento à saúde, no saneamento, na Amazônia e etc. E o otimismo não é gratuito: temos o petróleo pulando debaixo das placas, crescimento do emprego, produção e consumo em alta em muitos Estados (não no nosso, que anda endividado até o pescoço) e articulação internacional para dar autonomia e liberdade ao calejado pueblo latino. O normal, então, seria dizer pros pessimistas neuróticos: "olha só, nunca foi assim...faz favor de curtir um pouco". Não, obrigado, não vou entrar nessa onda! Não que eu queira ser um estraga-prazeres. É que já sou um pouco velho e reconheço que aqui, nos trópicos, o vento sopra, mas o tempo demora prá passar...e as mudanças chegam tarde ou nunca chegam.
Então, nobres senhores, aprendamos a ver as coisas por cima das vagas do entusiamo e o que se vê talvez já nem seja mais tão bonito. Vou dar um exemplo da minha terra que são as academias privadas de ensino.

A universidade brasileira, com algumas pequenas exceções saudáveis, é ainda o retrato de uma civilização primitiva onde a verdade verdadeira (nua e crua) e o conhecimento sempre aparecem atrelados às chagas da baixa política. Um exemplo claro disso é a política educacional brasileira que segue, com confiança cada vez maior, a desastrosa estratégia de melhorar os indíces de educação (superior) multiplicando diplomas. Vou mostrar como isso é danoso para o país a partir do caso das universidades privadas. Há 10 ou 20 anos atrás essas universidades existiam ao lado do sistema público de ensino. Cobravam matrículas pesadas e sobreviviam de um trabalho que eu poderia qualificar sem nenhuma dúvida de honesto e comprometido com um dos interesses fundamentais da república: oferecer boa formação, especialmente para profissionais de nível superior. A lei das particulares era, até então, a seguinte: "faça bem teu trabalho, forme bem teus profissionais e cobre o valor justo (em geral alto, pois ensino não é mercadoria barata)". Não tenho dúvidas que as coisas andavam bem nessa época.

Mas então veio a tal desregulamentação e os portas se abriram. Começaram a pulular universidades e faculdades e centros em tudo quanto é canto. As particulares mais antigas se viram num brete, tendo que diminuir mensalidades para lidar com as concorrentes e, em muitos casos, acabaram sendo seduzidas pelo discurso danoso da facilitação. A máxima do "faça bem teu trabalho" mudou para "se apertarmos muito, eles (essa moeda forte chamada alunos) vão prá outra instituição qualquer e aí não sobreviveremos". Consequência lógica: melhor não pegar pesado e rezar prá que tudo não afunde no lodaçal da falta de competência, do desprezo pelo conhecimento profundo e bem sedimentado. Deu o que todos sabem: universidades privadas de longa tradição com desempenho escolar cada vez mais fraco, como mostrou a última avaliação do MEC.
Nosso país pode ser mais. Otimismo e confiança são benéficos. Já o entusiasmo...bueno no universo do ensino ele certamente daria bons frutos se fosse aplicado no fechamento das más escolas.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008


Mais abaixo um belo artigo de Carlos Lessa sobre a atual especulação em torno da exploração dos campos de petróleo da camada pré-sal no território brasileiro. A foto acima é apenas uma das belas imagens do filme There Will be Blood. O filme apresenta um retrato cru e assustador da ambição humana. A fotografia, especialmente no início, é impecável. Luz, sombra, cor..... mas me deixou tão assustado que não consegui pensar em nada para dizer sobre ele.


Toda profissão tem cacoetes lingüísticos. O geólogo brasileiro denomina os campos submarinos de petróleo existentes abaixo de um enorme e espesso lençol de sal de pré-sal. O geólogo ordena o mundo de baixo para cima. O sal dificulta e encarece a extração, porém preserva um óleo leve e de ótima qualidade.

Fortes evidências levam a crer que há 130 milhões de anos começou o desquite entre África e América do Sul. No meio, surgiu um lago que, crescendo, dá origem ao Atlântico Sul. O material orgânico foi sepultado debaixo do sal; posteriormente, outros elementos se depositaram. A combinação de temperatura e pressão converteu a matéria orgânica em petróleo. Movimentos tectônicos deslocaram o sal; parte do petróleo migrou para cima das "janelas" de sal. A Petrobras localizou campos submarinos nestas janelas: Namorado, Marlin, Roncador e toda uma peixaria permitiram a auto-suficiência deste combustível. O óleo dessas jazidas não é o melhor - é pesado - porém é nosso; está em nossa fronteira marítima, pertence à Petrobras, e o Brasil é líder em tecnologia e ambições em águas profundas.

A Petrobras foi em frente. Perfurou ao longo do mar, desde Espírito Santo até a Bacia de Santos, em busca do pré-sal. Tudo leva a crer que Existam campos no mar em uma área de até 800 quilômetros de extensão por 200 quilômetros de largura. As estimativas oscilam entre 30 e 50 bilhões de barris no pré-sal - não é um delírio nacional, esta é a avaliação do Credit Suisse.

Hoje temos 14 bilhões de barris provados. Com Tupi, Carioca, Júpiter e seus "compadres", chegaríamos às reservas atuais da Rússia e da Venezuela. O óleo do pré-sal é leve. O Brasil pode confiar nos geólogos, cientistas, engenheiros e tecnólogos que desenvolveremos a tecnologia para estes campos muito profundos e com espessas camadas de sal. Ao Eldorado Verde da Amazônia, descobrimos um Azul, no pré-sal; um novo Eldorado pelo brasileiro e para o brasileiro. Este é o sonho. Pode-se converter em um pesadelo.

Os EUA consomem 25% do petróleo do mundo. O grande poluidor bebe, todos os anos, sete bilhões de barris. Tem reservas pequenas, apenas para quatro anos. Por isto, tem tropas na Arábia Saudita (260 bilhões de barris de reservas), e frotas navais no Oceano Índico; estimulou o conflito latente entre sunitas e xiitas, promoveu Saddam Hussein e deu fôlego a Bin Laden. Com o primeiro, alimentou o ódio ao Irã (100 bilhões de barris); com o segundo, sustentou a rebelião dos afegãos contra a URSS. Após o 11 de setembro, destruiu os talibãs e, desde então, acusou o Iraque (100 bilhões de barris) de dispor de armas nucleares. Destruído Saddam, não se descobriu nenhum armamento não convencional. Transferiu, imediatamente, para o Irã a acusação de estar se nuclearizando. Os EUA mergulharam de ponta-cabeça no Oriente Médio, pois têm sede de petróleo - aliás, a China e a Índia também.

Até o pré-sal brasileiro, o Novo Mundo não poderia saciar os EUA; o México já foi depredado (tinha 52 bilhões de reservas e hoje está com 17). O Canadá tem muita areia betuminosa (custos extremamente elevados de extração). A Venezuela tem reservas insuficientes para a sede norte-americana. Alguns países ficaram sem petróleo: a Indonésia exportou, participou da Opep e vendeu seu óleo a US$ 3 o barril, hoje importa aUS$100 o barril. O Reino Unido não é mais exportador de petróleo no Mar do Norte; bebeu e vendeu demais. Este é o pano de fundo de um possível pesadelo geopolítico. Não interessa ao Brasil que o Atlântico Sul se converta num Oriente Médio.

A primeira pergunta que ocorre é: o petróleo do pré-sal é nosso? Logo depois: até quando? O neoliberalismo já promoveu nove rodadas de leilões. A ANP - instituição que no passado seria denominada de "entreguista" - pretendeu acelerar uma nova rodada nos blocos do pré-sal. Com clarividência, o presidente Lula suspendeu a rodada e solicitou à ministra-chefe da Casa Civil que estudasse uma nova legislação de regulamentação da economia do petróleo. Creio que Lula anteviu um possível "Iraque" em nosso território. O presidente sabe que a Petrobras pode, técnica e financeiramente, desenvolver Tupi e outros campos do pré-sal. Sabe que não se brinca com soberania na "Amazônia azul". Nossa Marinha de Guerra precisa do submarino nuclear; nossa Aeronáutica precisa de mísseis e da Base de Alcântara, porém quem garante que não seremos acusados de belicismo?

Conheço a ministra Dilma desde os tempos da Unicamp. Sei que é nacionalista e bem preparada; ela sabe que o preço do barril irá subir tendencialmente. É uma boa "aplicação financeira" manter petróleo conhecido e cubado como uma reserva estratégica; rende mais que os Títulos de Dívida Pública norte-americanos. Um fundo soberano, alimentado com uma parcela das reservas cambiais de nosso Banco Central, poderia subscrever ações e financiar a Petrobras. É mais estratégica esta "aplicação" do que apoiar o Tesouro dos EUA. Dilma sabe que a China fura poços e os mantém lacrados, preferindo beber petróleo importado em troca de suas exportações. Certamente, a regulamentação não será elevar royalties e contribuições especiais sobre o petróleo extraído do pré-sal por companhias estrangeiras.

A premissa maior é reassumir a Petrobras como empresa estratégica para o futuro desenvolvimento brasileiro e escudo protetor de uma geopolítica potencialmente ameaçadora. Para tal, é necessário retirar da companhia sua medíocre missão atual: "honrar seus acionistas". Aliás, o Dr. Meirelles, com o desejado fundo soberano, poderia converter o Banco Central em "acionista", recomprando as ações que os governos liberalizantes venderam para estrangeiros.

A diretoria da Petrobras, em vez de saber a cotação da ação em Wall Street, deveria estar articulada com o presidente da República, expondo ao Brasil o modo de manter o Eldorado em nossas mãos.

Artigo de Carlos Lessa, professor-titular de economia brasileira da UFRJ, publicado no jornal Valor.

terça-feira, 2 de setembro de 2008



Filosofia do Barão de Itararé. Está no blog martelada.
A minha filosofia não consiste em procurar a harmonia dos contrários, mas, ao contrário, em ressaltar as contradições da natureza, para que sejam, pelo menos, controladas.
As forças contrárias se atraem em virtude de uma lei que não me é dado evitar e pela qual não sou absolutamente responsável. Sei que do encontro de uma carga positiva e de outra negativa, resulta a faísca. Não me sendo possível impedir a faísca, procuro desempenhar o papel de pára-raios.


Estive pensando nos restaurantes modernos, amplos, esses lugares onde almoçamos depois que a vida urbana instituiu o repasto público e ligeiro. Uma invenção pouco nobre que tem contribuído para tornar, como diria Madonna, o segundo prazer da vida um tormento.
Os restaurantes parecem linhas de produção de empresas. Foram esses restaurantes em linha que fizeram das refeições um processo mecânico de entrar numa fila, servir-se, pesar e comer sua comida pesada, em mordidas rápidas e despersonalizadas. Comer assim estraga o prazer da mesa e impede a manifestação da luz e a pureza dos frutos da terra.
Talvez por isso muitas vezes quando vou almoçar penso logo em ir embora....sinto falta de aconchego e amor. A comida não existe pra ser engolida. É um prazer intimista. Napoleão dizia que a mesa é o único lugar onde podemos permanecer por horas sem nos entediar. Por isso, prefiro os restaurantes mais quietos, mais familiares, cada dia mais raros, mas que ainda oferecem um lugar amigo pra ficar em silêncio e, quando o silêncio já não basta, oferecem um espaço para partilhar a dor e a alegria de viver.

domingo, 31 de agosto de 2008


Muitas coisas podem ser feitas com a literatura. Uma das possibilidades que mais me agrada é explorar afinidades filosóficas presentes em textos literários. Não tenho dúvidas que o entendimento das condições segundo as quais uma pergunta filosófica pode ser respondida encontra-se manifesto exemplarmente na literatura. Mas o vínculo entre filosofia e literatura não é o único e talvez nem mesmo seja o mais produtivo. Várias áreas do saber, incluindo as ciências mais duras, andam flertando com escritores malditos, poetas loucos, viciados e outros pirados que abandonaram a estrada comum para ampliar a visão do buraco que nos metemos. Por exemplo: tempos atrás estive participando de um Congresso de Educação Médica na antiga Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre. Uma das mesas era dedicada às humanidades na área da Saúde. A mesa foi coordenada pela colega do PPG em Filosofia da UFRGS, Marília Espírito Santo, que até então eu não conhecia. Gostei bastante de todos os painelistas, mas chamou-me especialmente a atenção uma palestra sobre como textos literários podem servir para pensar a morte, o cuidado de doentes e aos propósitos de humanização das relações entre médico e paciente. O mote da palestra foi o belo livro A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstoi. Ivan Ilitch era um magistrado que adoeceu: "queixava-se de um gosto estranho na boca e uma sensação desconfortável no lado esquerdo do estômago, mas ninguém chamaria isso de doença" (p.44). Transcrevo uma passagem magistral que trata do ponto de vista do médico e do paciente numa consulta, na premiada tradução de Vera Karam.

Seguiu-se tudo dentro do esperado, como sempre acontece. Houve o habitual período na sala de espera, a atitude importante assumida pelo médico- ele conhecia bem aquele ar de dignidade profissional; ele próprio o adotava no Tribunal-, os exames e as perguntas que exigiam respostas que levavam a conclusões óbvias e obviamente desnecessárias e o olhar grave, que queria dizer: "Deixe tudo conosco e nós resolveremos as coisas, nós sabemos tudo do assunto e podemos resolvê-lo para você como faríamos com qualquer outra pessoa". O procedimento todo era igual ao dos Tribunais. Os ares que ele adotava no Tribunal em benefício do prisioneiro, o médico adotava agora em relação a ele.
O médido disse-lhe que este e aquele sintoma indicavam que isto ou aquilo iam mal com o paciente por dentro, mas se esse diagnóstico não fosse confirmado pelos exames clínicos disto ou daquilo, então chegaremos a esta ou aquela conclusão. Se chegarmos a esta ou aquela conclusão, então....e assim por diante.

Para Ivan Ilitch só importava saber uma coisa: o seu caso era sério ou não era? Mas o médico ignorou essa pergunta tão fora de propósito. Do ponto de vista do médico tratava-se de um detalhe que não merecia ser levado em consideração: o problema realmente era avaliar todas as probabilidades e decidir entre um rim flutuante ou apendicite. Não era uma questão de Ivan Ilitch viver ou morrer, mas de decidir se era rim ou apêndice. [...] A partir da fala do médico, Ivan Ilitch concluiu que as coisas não estavam bem, mas que para o médico e provavelmente para todas as outras pessoas isso não faria a menor diferença, enquanto que para ele era simplesmente terrível. E essa conclusão foi dolorosa, despertando-lhe um grande sentimento de autopiedade, e de amargura em relação ao médico que não se importava nem um pouco com uma questão tão importante.
Mas não disse nada, levantou, colocou o dinheiro da consulta em cima da mesa e falou com um suspiro:
-Nós, os doentes, sem dúvida fazemos muitas vezes perguntas inadequadas. Mas, diga-me, de modo geral, assim por cima, esses sintomas lhe parecem graves ou não?

O médico olhou-o severamente por cima do monóculo, como se dissesse: "Pedimos ao réu que se atenha a responder o que lhe foi perguntado ou serei obrigado a fazer com que se retirem da sala".
- Eu já lhe disse tudo que julgava necessário dizer- respondeu o médico-, os exames devem dar mais detalhes- E indicou-lhe a porta.

TOLSTOI, Leon. A morte de Ivan Ilitch. Tradução de Vera Karam. Porto Alegre: LP&M, 2007, p. 46-47

terça-feira, 26 de agosto de 2008


EPILOGO

I

O sol, já mais suave, brilha claro no céu ligeiro.
As rosas do jardim, sacudidas por um vento
De outono, balançam ritmicamente.
A atmosfera oferece beijos fraternos.

Já abandonou a Natureza seu trono
De esplendor, de ironia e serenidade:
Clemente se mostra e no vasto espaço dourado
Dirige-se ao homem, seu súdito perverso e rebelde.

Com o pano de seu abrigo, estrelado pela imensa abóboda,
Concorda em enxugar o suor de nossas frontes;
Sua alma eterna e sua imortal silhueta dão calma
E vigor a nossos corações lânguidos e ávidos.

O fresco balançar de mil ramos envelhecidos
E o amplo horizonte com difusos cantos,
Tudo, inclusive alegres bandos de pássaros e nuvens,
Tudo, assim, consola e libera. É hora de pensar.

Paul Verlaine

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Uma passagem curiosa de Rousseau sobre a preguiça. Está no blog do Antonio Cicero

É inconcebível a que ponto o homem é naturalmente preguiçoso. Dir-se-ia que ele só vive para dormir, vegetar, ficar imóvel; ele mal consegue se dispor a fazer os movimentos necessários para se impedir de morrer de fome. Nada mantém tanto os selvagens no amor do seu estado que essa deliciosa indolência. As paixões que tornam o homem inquieto, previdente, ativo, só nascem na sociedade. Nada fazer é a primeira e a mais forte paixão do homem, depois da de se conservar. Olhando-se bem, vê-se que, mesmo entre nós, é para chegar ao repouso que cada qual trabalha; é a própria preguiça que nos torna laboriosos.


De: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Essai sur l'origine des langues. Paris: Aubier-Montaigne, 1974, p.129.

sábado, 23 de agosto de 2008


Estive assistindo uma palestra da filósofa e participante do Programa Saia Justa do GNT, Márcia Tiburi, na Feira do Livro do pequeno munícipio de Vera Cruz, no RS. Lembrava dela dos tempos dos colóquios de Estética do Christian Hamm, em Santa Maria. Ela é muito gentil, camarada e me pareceu bem mais bonita ao vivo do que na TV. Até onde entendi, ela defende a idéia de que a filosofia é uma espécie de conversação, um tipo de troca dialogal onde, num jogo de envio-recepção-apropriação de sentido entre pares, amigos, procuramos desvendar o ser, o que existe, ou seja, a condição humana e a realidade envolvida. Concordo com a idéia, desde que se entenda que o acento seja colocado na natureza da conversão e não tanto no ato de conversar.

Afora isso, simpatizei com a idéia de que os filósofos têm uma importante contribuição a dar no espaço público para criar as condições para uma conversação qualificada, menos definida e mais aberta, digamos, das nossas questões. Ela recomenda que nos intrometamos, que não tenhamos vergonha de nos mostrar no universo que existe fora dos muros da Academia, onde esse trabalho de conversação ainda está por ser feito. Bacana!

quinta-feira, 21 de agosto de 2008


Olhei o horário de propaganda eleitoral gratuita ontem. Acho que os políticos de um modo geral e, em particular, os marqueteiros, andam precisando tomar um pouco de ar fresco, ver as gentes que circulam no mundo lá fora, o mundo real que existe além do universo que criaram para si. Estou me referindo à tendência (que não sei precisar como surgiu) de fazer aqueles filminhos da vida em família. É bem verdade que a familia nuclear talvez ainda seja predominante, mas nada me convence que colocar uma mãe e um pai rodeado de filhos no horário político não seja mais do que um mero jogo de cena. Não penso diretamente na hipocrisia e no veneno que se esconde no seio da família, um veneno eternizado pelo belíssimo "Parenti Serpenti" do Mario Monicelli.
O que me importa mesmo é mostrar que um pequeno senso de realidade é suficiente para reconhecer que o conceito de família vem sofrendo mutações cada vez mais frequentes, que, no plano dos papéis, o centro das atenções no lar não são os pais, mas a televisão e, mais recentemente, o computador conectado à internet.

Do ponto de vista da identidade moral e do cuidado, a velha imagem dos pais que acompanham de perto a vida dos filhos tornou-se um símbolo esvaziado. As mães de hoje não lembram nem um pouco a velha imagem da dona de casa feliz, rodeada de eletrodomésticos, bolo quente e filhos gordinhos. Na esquizofrenia moderna, ter uma família, antes de ser um sonho cor-de-rosa, significa acordar cedo, tendo que se sujeitar a andar de ônibus, trabalhar bastante, comer em restaurantes, dormir mal. É só quando sobra tempo que extraímos um ou outro prazer do convívio com os filhos e amigos. Os filhos, portanto, são o que temos de menos, o que ficamos devendo, supondo que tenhamos a fibra para buscar o melhor para eles, pois essa fibra nem todos têm. Exagero? Pergunte a si mesmo em que medida você conhece os desejos e temores de seu filho! Em geral, não sabemos nem dos nossos. "A vida é de lascar", disse Márcia Tiburi numa palestra em Vera Cruz. E é de lascar mesmo. Ninguém mais acredita em retrato feliz. Assim, se querem me mostrar algo bonito e convincente, me mostrem uma família de pai e mães reais, verdadeiros, que erram, acertam, tem fraquezas e, às vezes, se sentem prá baixo com toda essa violência psiquíca que é estar no mundo e criar filhos com um pouco de estabilidade emocional, satisfação existencial e retidão.

Se querem meu voto, sejam humanos, mostrem pessoas de verdade, que falem com o coração e digam para as pessoas: sou homem como vocês, percebo que nossa cidade tem grandes problemas, problemas que dificilmente serei capaz de resolver! Digam que as coisas são complicadas, pois tudo mundo sabe que o mundo dos sonhos e da ilusão faz mal. Para a vida em família, para a vida na cidade, para todos problemas humanos não existe solução mágica. Não venham me dizer que o universo da rua do lado é brilhante, que nada dá errado e que posso, com o queixo elevado, resolver tudo pois sou perfeito e poderoso. Ser um bom político significa, em primeiro lugar, admitir-se como homem.

domingo, 17 de agosto de 2008

Transcrevo, abaixo, parte da entrevista do Maestro Vicente Gimenes. Eu bem que gostaria que as coisas que ele diz sobre educação pudessem virar realidade nessas sonoras plagas. Mas o quê? Nossa brilhante e catedrática governadora encabeça um movimento contrário ao piso de novecentos e cinquenta reais para os professores, a formação de ensinadores (física, química, biologia, filosofia, letras, geografia, história) nunca foi tão desprezada e a idéia de uma razão objetiva medianamente focada no interesse público aparece como uma saudável quimera do passado. Só isso já é suficiente para pôr em risco os fins da república.......felizmente a imprensa descobriu que todos nossos problemas são responsabilidade das ações da polícia federal.


O objetivo que o ser humano persegue é alcançar certo equilíbrio, no qual nem o interior nem o exterior predominem, mas ambos sejam igualmente complementares um ao outro. As pessoas têm se tornado tão voltadas para fora que não conseguem, nem mesmo por um simples momento, sentar em silêncio. O medo é encontrar o vazio e uma vez que ele seja encontrado, a vida perde todo o interesse, todo o sabor, todo o sentido e significado. Muitos fogem de si mesmo. E chamam de divertimento a essa fuga.
Culturalmente nosso povo não põe a educação como um objetivo central da vida. A Finlândia criou, com medidas simples e focadas no professor, o mais invejado sistema educacional Quem entra numa escola na Finlândia se espanta com a simplicidade das instalações. O segredo da boa educação finlandesa realmente não está na parafernália tecnológica, mas numa aposta nas duas bases de qualquer sistema educacional. A primeira é o currículo amplo, que inclui o ensino de música, arte e pelo menos duas línguas estrangeiras. A segunda é a formação de professores. O título de mestrado é exigido até para os educadores do ensino básico.

Maestro Vicente Gimenes

quinta-feira, 14 de agosto de 2008


Reproduzo parte de uma pequena história interessante de dois monges. Está no blog do Antônio Cicero.

Provavelmente você conhece a dos dois monges, mas vou contar mesmo assim. Um dia eles estavam caminhando, quando chegaram a um riacho onde uma jovem estava à espera, com a esperança de que alguém a ajudasse a atravessar. Sem hesitar, um dos monges a levantou e carregou para o outro lado, pondo-a no chão em segurança....
De: CAGE, John. A year from monday. New lectures and writings. Wesleyan University Press, 1969, p.133.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008


No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Paulo Leminski

terça-feira, 5 de agosto de 2008


Não sou bem um indío "galdério", mas gosto das coisas do campo. Tenho um gosto particular pela arte melancólica do sul, especialmente a milonga. Mas faz tempo que não ouço música cozida no fundo da alma. Essas dias me deu uma saudade daquela voz melódica numa música que fala dos rios do Rio Grande...rio Quaraí, Jacuí, rio Candiota, Camaquã, velho rio Santa Maria e por aí vai. Se algum leitor conhecer a autoria e coisa e tal, avise o pobre diabo aqui. A foto é do Ibicuí e saiu do site da Federal de Santa Maria.

Tá difícil de se firmá no basto. Acabaram as férias e o trabalho ultrapassa os espaços da vida. Ainda bem que o Grêmio anda ganhando uns jogos. Assim, quando acaba a paciência é só abrir a boca na frente da TV e contemplar a passagem inútil do tempo.
Amanhã ou depois eu vou fazer a lista de bons filmes que prometi pro Janrie.
A foto acima é de Eduardo Amorim. http://flickr.com/photos/75133058@N00/1491386568/

terça-feira, 22 de julho de 2008


CARTAS



Sou um dos filhos mais jovens de uma família de 6 irmãos. A melhor parte da minha infância transcorreu nas brincadeiras e no convívio com os mais velhos. Depois de uma certa época, meus irmãos saíram de casa para estudar e ganhar a vida. Como não tínhamos telefone, a comunicação entre nós, especialmente deles com os pais, acontecia através de cartas. Eu era encarregado de passar, depois da aula, no postinho dos correios da pequena cidade onde nasci para ver se havia chegado alguma coisa. Quase sempre as cartas vinham num envelopinho com bordas verde-amarelas.


Apesar da aparente frieza de meus pais, é impossível não lembrar a emoção e a ansiedade com que recebiam qualquer novidade dos filhos. Às vezes eles até disputavam a preferência na leitura num “dá pra mim; não! eu quero ler primeiro” as parcas palavras que amaciavam a distância e saudade. E assim, feitas as contas, receber uma carta era sempre uma grande felicidade, um motivo de encontro, de celebração humana.


Por presenciar cenas tão bonitas, durante muitos anos alimentei o desejo secreto de ser carteiro. Naquela época eu mal sabia o que era um funcionário, um profissional. Carteiro, para mim, era, na verdade, o mensageiro do amor, da amizade, do fim da saudade, um criador de laços. Hoje cartas, recados, manifestações manuscritas são cada vez mais raras. Escrevemos e apagamos com a instantaneidade da máquina. Por isso, quase sempre nossas palavras são pobres, supérfluas.


No caso dos carteiros, esse reverso histórico não deixa de ser irônico. Foi por desempenhar um papel estratégico no mundo desumano dos negócios e do dinheiro (distribuindo encomendas, contas de telefone, cartão, mensalidades escolares e outras cobranças) que os carteiros tornaram-se uma profissão poderosa, fundamental para o interesse de empresas e cuja greve provoca muitos problemas. Ao adquirir status no interior da lógica da mercadoria, os carteiros deixaram de ser uma ilusão romântica, tornando factível a exigência de reconhecimento concreto, convertido em salário, proteção e melhores condições de trabalho.



Mas, infelizmente, no mundo dos negócios, as decisões sempre circundam as leis de troca, de mútua dependência e interesse. Daqui uns dias muda o rumo da água e o barco segue noutra direção. Por isso as pressões, paralisações, desemprego, bem como os agradinhos e pequenos aumentos nunca desaparecerão do mundo do trabalho. Reconhecimento humano mesmo, estável, não se vê muito. Não sei se haverá algum dia. Para ele existir, deveria diminuir a circulação de contas, cobranças, e aumentar as notas de amor, de reconciliação, os escritos em linguagem franca, onde vidas, ideais, sofrimentos são acalentados conjuntamente, como na atmosfera dos antigos encontros que tive com meus pais em torno daquelas cartas com contornos verde- amarelos.

quarta-feira, 16 de julho de 2008







minha segunda sugestão do novo cinema alemão é o filme Aprendendo a Mentir (Liegen lernen, Alemanha, 2003) Dirigido por Hendrik Handloegten.



O filme recebeu um monte de críticas negativas que me parecem mais coisa de intelectual abobado. Não vou fazer uma defesa. Meu objetivo é outro. Só que indicar algumas razões pelas quais me parece que o filme é bem bom.



Para os apreciadores de literatura, Aprendendo a Mentir pode ser comparado com o gênero dos romances de formação como Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meinster do Goethe. Mas, num e noutro caso, a arte vai muito além do rótulo. Tanto o filme, quanto o livro do Goethe fazem muito mais do que narrar um caminho de amadurecimento. Aprendendo a mentir faz uma representação bastante sutil, alto astral, do "eu" sem referências fixas e multiplamente orientado da cultura contemporânea. E, mais ainda, o faz no difícil terreno da vida amorosa, sempre carregada de representações. As cores fortes do cenário destacam o multiculturalismo da Alemanha moderna, que contrasta profundamente com o crescente cultivo da ideologia do facismo que ainda se vê entre os imigrantes alemães que vivem no Brasil. Em termos de narrativa, lembra muito o Alta Fidelidade e Sideways, embora seja mais intimista que o segundo e mais denso e rico que o primeiro. Prá resumir, gostei prá caramba desse filme, pois mostra que a vida e o amor são sempre cheios de passados e presentes mal havidos, que não podemos concertar ou ajustar, de modo que nossa história acaba sempre sendo uma história de restos, pedaços de passado e tentativas de recomeço.



terça-feira, 15 de julho de 2008

O Janriê, meu amigo de trabalho e estrada - a estrada não é o trabalho- pediu para deixar uma lista de filmes que gostei. vou montar a lista na forma de postagens e depois criar um elenco.
Começo pelo chamado Novo Cinema Alemão, que trata, entre outras coisas, das abordagens pós-modernas do amor e do encontro, dos conflitos psicoafetivos, sonhos comunistas e o triunfo do capitalismo global. O foco central é quase sempre um acerto de contas com o passado dividido da Alemanha, como se os próprios realizadores estivessem realizando esse ajuste no plano das almas.
O que fazer em caso de incêndio? apresenta um retrato bem sutil e humorado da última fase do capitalismo, uma fase onde a história individual, cheia de vontade de revolução e igualdade, passa a ter de conviver, num grupo de amigos, com o design de linhas modernas dos aparelhos de celular, do mercado de capitais e por aí afora. o legal da história é que a ideologia socialista é retratada sem histeria, num tom juvenil, meio romântico e mostra como a vida vai se reinventando com os novos tempos.

quinta-feira, 10 de julho de 2008


Inovação
O que peço à poesia:
não que ela me baste
mas que me dê
a medida do possível,
a certeza do que basta.
(E a poesia me pede:
não o que ainda falta
mas o que excede
à palavra mais exata,
a plenitude sensível.)




Paulo Neves









Saiu Veneno Remédio: O futebol e o Brasil, do José Miguel Wisnik. Editora Companhia das Letras. 344 páginas. R$ 41,00
Tem tudo para ser o livro do ano. Não duvido... mesmo! Li duas páginas na Iluminura e fiquei espantado.
Só não levei por que tava sem grana. Segue, abaixo, uma pequena sinopse que pesquei na página da USP.






O ensaio traz uma reflexão sobre um dos mais apaixonantes esportes do mundo. O futebol tal como foi incorporado e praticamente reinventado no Brasil tem muito a dizer, sobre algumas de nossas forças e fraquezas mais profundas, ajudando a ver sob outra luz questões centrais da nossa formação e identidade. Wisnik declara: “Para o bem e para o mal é nesse lugar que o Brasil tem reconhecimento e diz alguma coisa. A questão é: O que significa isso? Qual é o lugar do Brasil no mundo por meio do futebol?”. Lançando mão de um sofisticado instrumento crítico que bebe na filosofia, na psicanálise e na crítica estética, o escritor desce às minúcias do jogo de bola e de sua evolução ao longo das décadas.

terça-feira, 8 de julho de 2008



Férias


Finalmente a locomotiva de julho chegou! Para professores e estudantes esses dias de descanso são cheios de reflexão. Dizem que os professores estão entre os profissionais que mais cedo abandonam as crenças idealistas em torno da sua prática profissional. Cansei um pouco do semestre, em sentido psicológico, mas não deixei de ser idealista. Ainda tenho esperança e a esperança, como dizia Rousseau, "a tudo embeleza". Mas por que fiquei cansado, se ensinar é minha vida?
Talvez por pensar no significado de "ensinar", na natureza complexa desse tipo de relação. Uma coisa que vem ocupando meus pensamentos é o que podemos entender por “êxito” na tarefa de ser professor. O sucesso em educação é uma variável das mais difíceis de medir. O que devo levar em conta para definir que as coisas andaram bem?
Frequentemente considero um conjunto mínimo de condições nas disciplinas propedêuticas que leciono: o domínio do conteúdo, do conhecimento e habilidades como capacidade de elaboração textual rigorosa, construção de argumentos e raciocínios com uma estrutura lógica consistente e qualidades morais e espirituais como a dedicação, esforço, capricho, amor pelo saber e a cultura. Poderia resumir tudo isso nessas palavras: competência técnica e competência ético-política. Quando meus alunos (e eu mesmo) mostro essas qualidades, considero que o semestre foi bem-sucedido.
Mas existem outras circunstâncias envolvidas na vida acadêmica, circunstâncias bem mais intangíveis, que respondem mais diretamente pelo meu sentido de esgotamento. Existe um registro subjetivo-existencial, da experiência do ser, que deveria ser monitorado na aprendizagem, um registro em que as ditas habilidades do mundo acadêmico são relevantes, mas não cobrem o universo inteiro da educação. Posso dar um exemplo: várias vezes converso com meus alunos, mas noto que não consigo ultrapassar o silêncio e a distância que o espaço da sala de aula e dos corredores cria. Então às vezes ensinar significa perder, aceitar uma separação definitiva de almas, como duas vozes e seres que falam, conversam, mas não se encontram. E esse sentido de afastamento, de não conseguir contato rico e significativo, como mensurá-lo quando queremos que o trabalho e a vida escolar nossa e dos outros seja boa e significativa? Além disso, se os mundos do aluno e do professor, por mais que tentemos, tendem a andar em direções opostas, como posso dizer que existo efetivamente para meus alunos, que minha presença é absorvida e esperada, em vez de ser um dia áspero?
Como tudo o mais na vida, ensinar não é uma atividade transparente; é recheada de palavras, de tentativas de explicar e dizer, mas também de desencontros, de silêncios e quebras. Espero o dia em que a pedagogia seja capaz de adentrar no universo existencial e nos ajude a entender melhor os limites da transferência e da partilha. Precisamos de uma pedagogia do intercâmbio das almas e da sua manifestação. Um pouco mais de amanhã, então.

quinta-feira, 26 de junho de 2008





Vai o link (http://www.filosofiaemquadrinhos.com.br/Quadrinhosefilosofia.html) e o convite para ler a adaptação do Maurício de Souza do famoso "Mito da Caverna" de Platão. Na mesma página também há outros materiais interessantes sobre filosofia e quadrinhos. Vale a pena conferir!








quinta-feira, 19 de junho de 2008






Van Gogh


Seus olhos azuis fulminados

O amarelo, a luz contorcida.

Corvo, cipreste, girassol.

E aquela vontade agressiva

de raspar, arrancar à unha

a pele podre da vida

e pintar, pintar, pintar

a espessura do que ele via.


Paulo Neves








Há um belo artigo sobre o livro do filósofo e economista Amartia Sen (foto) no blog do Antônio Cicero (http://antoniocicero.blogspot.com/). Gostei do texto e vou prestar atenção no trabalho dele doravante.
Vai uma palhinha:
Contra a política da unidimensionalidade identitária, Sen defende o poder
das identidades competitivas. "Posso ser ao mesmo tempo", diz, no que é sem
dúvida uma auto-descrição, "asiático, cidadão indiano, bengali com ancestrais de
Bangladesh, residente americano ou britânico, economista, filósofo amador,
escritor, sanscritista, alguém que crê fortemente no secularismo e na
democracia, homem, feminista, heterossexual, defensor dos direitos gays e
lésbicos, praticante de um estilo de vida não-religioso, de background hindu,
não-brâmane, descrente em vida depois da vida (e, caso interrogado, descrente em
vida antes da vida também)". E complementa: "Isso é apenas uma pequena amostra
das diversas categorias às quais posso simultaneamente pertencer".

Ouvi falar da poesia e do trabalho filosófico do Antonio Cícero através do amigo Paulo Neves, o maior e mais tímido poeta gaúcho da atualidade, autor de "Viagem, espera", pela Companhia das Letras. Eles estiveram juntos num sarau poético em Porto Alegre.





quarta-feira, 18 de junho de 2008







Mulheres





Para o bem e para o mal, as idéias filosóficas sempre estiveram por trás da capacidade do Ocidente interpretar a si mesmo. Com respeito ao sentido do feminino e do papel da mulher nos relacionamentos, no mundo social e natural não foi diferente. Alguns filósofos tinham opiniões bastante pejorativas acerca das mulheres, outros ajudaram a fixar um sentido romântico e frágil do feminino, embora, no mais das vezes, as coisas não tenham sido exatamente assim. Nietzsche é, talvez, o que mais se notabilizou num tipo de ataque brutal, depreciativo, da mulher. Até hoje muitos comentadores da obra de Nietzsche esforçam-se para justificar seus “pensamentos” sobre a condição feminina.
Mas também é verdade que o preconceito contra a mulher é uma atitude pouco racional e enfrentou resistências desde Platão. Os estóicos, Stuart Mill, Hume e muitos outros podem ser considerados pensadores feministas que contribuíram abertamente a favor da causa feminina. E, talvez por isso, a dignidade da mulher é hoje um fato cristalino que encontra seu maior atestado nas piadas masculinas cheias de ressentimento sobre o novo estatuto da mulher. As razões do ressentimento são evidentes: nada incomoda mais o homem do que reconhecer-se um senhor sem domínios bem demarcados, vivendo ao lado de figuras independentes, seguras e livres.
Como num festival de bruxaria, a crescente igualdade entre os sexos torna as duas almas e naturezas exorcizáveis: nem o homem, nem a mulher estão salvos. Os dois vivem nessa condição de contínua ambigüidade; não é bem, nem mal ser macho ou fêmea. Ao contrário de pensar a mulher por metáforas geográficas de ocupação de espaços, ou funcionais como o exercício de papéis masculinos, talvez devamos ver um jogo de alimentação mútua entre homem e mulher, com a criação de duas figuras de contornos cada vez mais tênues, intercambiáveis, mutantes. Algumas mulheres já sustentam homens; a passividade é uma propriedade que vaga errante entre ambos. O mesmo vale para outras atribuições como o comando, a perspicácia nos negócios, etc.
Trato hoje de mulheres, pois acredito que pela primeira vez na história de Santa Cruz existe uma grande probabilidade de duas mulheres disputarem a prefeitura. Em termos de maturidade política é uma grande notícia, considerando, especialmente, que o direito feminino de voto no Brasil só foi plenamente conquistado em 1934. Em 1932, podiam votar as mulheres casadas, mediante autorização do marido e as solteiras e viúvas com renda própria. E se as coisas melhoraram em termos de dignidade ou quanto ao estatuto do gênero, a opressão política da mulher ainda está longe de acabar. Apesar de representar mais de 50% do total da população brasileira, a proporção de mulheres na política é bem menor do que homens e seria menor ainda se os tribunais não fixassem um número mínimo de candidatas a cargos eletivos por partido. Além disso, até hoje é comum encontrar muitas mulheres submissas que votam no candidato do marido (sabe-se lá porque razão) . No jogo político, portanto, a história continua pendendo para o lado dos homens.
Mas que diferença faz ter uma mulher ou um homem no poder? Essa é realmente uma pergunta intrigante. Uma resposta bem óbvia seria dizer que as mulheres são melhores representantes políticas das aspirações delas mesmas. Mas isso não parece ser uma verdade e nem mesmo algo bom: um político exemplar deve atender o interesse comum, os melhores interesses e não apenas vantagens corporativas. O melhor argumento para as mulheres estarem no poder político é este: mulheres e homens devem estar juntos no poder por igualdade, partilha e mútua presença. Não existe mística particular, de um ou de outro. Pensar que a mulher na política pode ser uma “mãe protetora” é um equívoco, possivelmente causado pela força das idéias filosóficas e românticas do passado que ainda atravancam nossa mente. As mulheres cheias de sensibilidade, que não agem como homens, são parte de uma antiga mística, que pouco ajuda nas escolhas do presente. A mulher não é o reservatório do amor, não é a certeza do perdão, não é uma alma cândida e frágil sempre pronta a nos guardar em seus braços. Mulheres são como homens, com desejos, temores, aspirações...humanas, às vezes fortes, às vezes fracas, como nós. Por isso mesmo, é bom que os dois se encontrem por perto não só dentro de casa, mas também no espaço público que é, afinal, também um espaço delas.

domingo, 15 de junho de 2008


moinho de versos

movido a vento

em noites de boemia

vai vir o dia

quando tudo que eu diga

seja poesia


Encontrei esse texto sobre bairros boêmios das cidades no animot, o blog amarelão do césar, que sempre tem coisas boas prá ka. Logo lembrei do Leminski, que anda em algum bar ou rua secreta de uma cidade esquecida. Tempos atrás escrevi algo parecido. Bem mais babaca, é verdade, mas escrevi. Chamava-se "viver a cidade" e anda circulando pela rede.

Não é possível quantificar o quanto a sociedade e a cultura devem à boemia.
Em todas as eras, em todos os países bem sucedidos, tem sido importante que ao
menos uma parte pequena da paisagem urbana não esteja dominada por banqueiros,
corretores, franquias, restaurantes genéricos, e terminais ferroviários. Esse
pequeno distrito deve, ao invés, ser a reserva de -- sem ordem especial --
insones e restaurantes e bares que nunca fecham; bibliófilos e as pequenas lojas
e bodegas que os alimentam; alcoólatras e viciados e desviantes e os
proprietários que os compreendem; aspirantes a pintores e músicos e os estúdios
modestos que podem acomodá-los; damas de virtude fácil e os homens que as
requerem; desajustados e poetas de praias estrangeiras e exílios de remotos e
cruéis ditadores. Embora não deva haver desvantagem em ser jovem em tal
distrito, a atmosfera não deve de modo algum desencorajar o veterano.

Christopher Hitchens, em 'last call, bohemia', um artigo para a vanity fair sobre a importância dos bairros boêmios para as cidades que prezam pela vida cultural/espiritual/intelectual/mental

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