domingo, 6 de maio de 2012

A mídia, as cotas e o sempre bom e necessário exercício da dúvida, por Ana Maria Gonçalves



Eu acredito que um dia o racismo e o preconceito racial desaparecerão. Eu realmente não gostaria que meu filho conhecesse o preconceito. Mas até esse dia chegar, é importante pensar no que podemos fazer para ajudar a minimizá-lo, uma vez que a destruição completa do preconceito é parte de um sonho que dificilmente viveremos.
Eu acredito fortemente que a política de cotas, que acabou de ser aprovada pelo STF, será uma forma de diminuir o preconceito. O texto abaixo e o voto do ministro Ricardo Lewandoski ajudam a entender as razões que estão por trás da minha crença.
A mídia, as cotas e o sempre bom e necessário exercício da dúvida, por Ana Maria Gonçalves



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domingo, 26 de fevereiro de 2012

Schopenhauer: Sobre poesia e filosofia



"O poeta oferece à imaginação imagens da vida, caracteres humanos e situações, põe tudo isso em movimento e deixa cada um levar seu pensamento tão longe quanto sua força espiritual lhe permite. Desse modo, ele consegue satisfazer homens das mais diversas capacidades, tolos e sábios, ao mesmo tempo. O filósofo, por sua vez, não apresenta daquela mesma maneira a vida, mas sim os pensamentos prontos que dela abstraiu e exige apenas que seu leitor pense do mesmo modo e com o mesmo alcance que ele próprio. Com isso o seu público será muito pequeno. Pode-se comparar o poeta, portanto, àquele que traz as flores, enquanto o filósofo se compara àquele que traz sua quintessência.
Uma outra grande vantagem das realizações poética em relação às filosóficas consiste em que todas as obras poéticas podem existir umas ao lado das outras sem se incomodarem mutuamente, e mesmo as mais heterogêneas podem ser estimadas e apreciadas por um só e mesmo espírito. Já um sistema filosófico, por sua vez, nunca vem ao mundo sem já ter em vista o declínio de todos os seus irmãos, tal como um sultão asiático quando ascende ao trono. Pois, assim como numa colmeia só pode haver uma rainha, da mesma forma só uma  filosofia pode estar na ordem do dia. Pois os sistemas são por natureza tão insociáveis quanto as aranhas que permanecem apenas em sua própria teia e observam quantos insetos se tornarão suas presas, aproximando-se de uma outra aranha apenas para combatê-la. Portanto, enquanto as obras poéticas apascentam tranquilamente umas ao lado das outras como cordeiros, as obras filosóficas são como animais predadores, aparentados, em sua sede de destruição, a escorpiões, aranhas e algumas larvas de inseto, que se voltam preferencialmente contra sua própria espécie. Elas aparecem no mundo como os homens em armadura, nascidos na terra dos dentes de dragão de Jasão, e como esses até o presente se exterminaram mutuamente. Tal batalha já dura mais de dois mil anos: resultará dela a uma vitória final e uma paz duradoura?
Em consequência dessa natureza essencialmente polêmica, desse bellum ominium contra omnes, dos sistemas filosóficos, é infinitamente mais difícil de obter reconhecimento como filósofo que como poeta. A obra do poeta não exige do leitor senão que ele entre em contato com uma série de escritos e que o entretenha ou que o eleve e à qual ele deve dedicar algumas poucas horas. A obra do filósofo, ao contrário, quer revolucionar toda a maneira de pensar do leitor e dele exige que considere como um erro tudo aquilo que aprendera até então e acreditava como correto, que aceite como perdido todo o tempo e o esforço que ele fez para adquirir tal conhecimento e que comece de novo a partir do início.
No máximo, ele deixará subsistir alguns fragmentos de um predecessor para a partir daí construir seu novo fundamento. A isso se acrescenta o fato de que ela reconhece como adversário todo aquele que professa um sistema já existente em virtude de sua função mesma. Até mesmo o Estado toma às vezes sob sua proteção um sistema filosófico favorito e impede o surgimento de qualquer outro utilizando poderosos meios materiais. Deve-se levar em conta ainda que o tamanho do público filosófico e o tamanho do público poético são proporcionais ao público instruído e ao número de pessoas que querem se entreter: com isso pode-se medir quibus auspiciis aparece um filósofo- É verdade, porém, que é a aprovação dos pensadores, a eleição de um longo intervalo de tempo e de todos os países, sem distinção de nação, que recompensa o filósofo".

(Schopenhauer, A.  Sobre a filosofia e seu método. Tradução de Flamarion Ramos. São Paulo:Hedra, 2010. p. 31-32)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

As mulheres e a filosofia moral


Minhas melhores leituras em ética, nos últimos meses, tem sido de textos escritos por filósofas: Iris Murdoch, Annette Baier, Martha Nussbaum, dentre outras. As mulheres tendem a fornecer um tratamento mais abrangente da moralidade, um tratamento que envolve não apenas as questões relativas à decisão sobre o que é certo fazer, mas, ao lado disso ou contra esse tipo de tratamento, dão o devido destaque à  ligação das ações com a personalidade e a trajetória de agentes. Segundo Martha Nussbaum, no artigo Virtue Ethics, essa tendência de abordagem da ética pelas mulheres não é mera coincidência! Ela diz:
Eu creio que as experiências das mulheres permitem colocar, às vezes, questões e ênfases que estiveram ausentes na tradição masculina dominante em filosofia moral. [...] Por exemplo, não é  lá muito surpreendente que mulheres estejam na linha de frente do movimento que pretende tornar centrais, para a filosofia, a psicologia moral e o estudo da emoção e do desejo. Uma razão para essa ênfase é reativa: as mulheres foram frequentemente denegridas quando descritas como tendo uma suposta natureza emocional mais desenvolvida (greater emotional nature), de modo que uma forma de responder a isso poderia ser caracterizar melhor esses elementos da personalidade e, por exemplo, argumentar que eles não são crus, mas altamente sutis, que não são destituídos de pensamento, mas imbuídos de pensamento. Outra razão para a ênfase é que, comparativamente, as mulheres tem sido mais frequentemente encorajadas pela sociedade a dar atenção, cultivar e rotular suas emoções. Isso significa que elas estão frequentemente melhor situadas para empreender tal espécie de investigação. Por último, as mulheres tem frequentemente dedicado mais tempo do que os homens ao cuidado dos filhos, uma ocupação que promove  o contato diário, na criança e em si mesmas, com uma tremenda série de emoções e exige que se lide com isso de maneira responsável e sensível. (p. 176)  

domingo, 12 de fevereiro de 2012

V Colóquio Internacional de Ética e Ética Aplicada


Caros amigos,

Gostaria muito de vê-los no evento que estamos organizando na UFSM sobre sentimentos morais e outros temas contemporâneos de Ética e Ética Aplicada.

Segue, abaixo, a programação mais recente e a chamada para apresentação de comunicações.



PROGRAMAÇÃO – PROGRAM:

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SEGUNDA-FEIRA (Monday), 18/06/2012
- 8:30-9:30 Abertura do evento (opening)
- 9:30-10:30 Conferência Plenária, Opening conference:
John Cottingham (University of Reading, UK) – Title to be confirmed
Para maiores informações sobre o Professor John Cottingham, acessarhttps://mail.google.com/mail/u/0/?ui=2&view=bsp&ver=ohhl4rw8mbn4 .
- 11:00-12:00 Luiz Eva (UFPR) – Montaigne on ataraxía
Debatedor (commentator):  Lívia Guimarães
- 14:00-15:00 André Klaudat (UFRGS) – Hume and Kant on value
Debatedor (commentator): Marco Azevedo (UNISINOS)
- 15:30-16:30 Lívia Guimarães (UFMG) -  Title to be confirmed
Debatedor (commentator): Flavio Williges (UFSM)
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TERÇA-FEIRA (Tuesday) 19/06/2012
Conferência (Conference)
- 9:30-10:30 Marina Oshana (University of California, Davis) – Shame, forgiviness and responsibility
Para maiores informações sobre a Professora Marina Oshana, acessarhttps://mail.google.com/mail/u/0/?ui=2&view=bsp&ver=ohhl4rw8mbn4 .
- 11:00-12:00 Carlos Ferraz (UFPEL) – Kant and the moral sentiment
Debatedor (commentator): Christian Viktor Hamm (UFSM)
- 14:00-15:00 Marco Azevedo (UNISINOS) – Hume on happiness and moral sentiments
Debatedor (commentator): André Klaudat (UFRGS)
- 15:30-16:30 Jônadas Techio (UFRGS) – O papel da indignação moral de uma perspectiva perfeccionista / The role of moral indignation from a perfectionist perspective
Debatedor (commentator): Ricardo Bins di Napoli (UFSM)
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QUARTA-FEIRA (Wednesday) 20/06/2012
Conferência (Conference)
- 9:30-10:30 Wilson Mendonça (UFRJ) – É desejável restringir o poder dos sentimentos morais? / Is it desirable to restrict the power of moral sentiments?
- 10:30-12:00 João Carlos Brum Torres (UCS/UFRGS) – Title to be confirmed
Debatedor (commentator): César Schirmer dos Santos (UFSM)
- 14:00-15:00 Frank Sautter (UFSM) – A metaética de Grice / Grice’s metaethics
Debatedor (commentator): Ídia Laura Ferreira (UFRJ)
- 15:30-16:30 Alcino Bonella (UFU) – Razões motivacionais e razões normativas / Motivational reasons and normative reasons
Debatedor (commentator): Helder Carvalho (UFPI)
- 17:00-18:00 Adriano Naves de Britto (UNISINOS) – Behavior and Values: What Morality is for?
Debatedor (commentator): Denis Coitinho da Silveira
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QUINTA-FEIRA (Thursday) 21/06/2012
Conferência (Conference)
- 9:30-10:30 Michael Slote (University of Miami) – The importance of phenomenology
Para maiores informações sobre o Professor Michael Sloate, acessarhttps://mail.google.com/mail/u/0/?ui=2&view=bsp&ver=ohhl4rw8mbn4 .
- 11:00-12:00 Leonardo Ribeiro (UFMG) – Sentimentalismo na metaética contemporânea / Sentimentalism in contemporary metaethics
Debatedor (commentator): Cinara Nahra (UFRN)
- 14:00-15:00 Conferência de Encerramento (Closing conference):
David Copp (University of California, Davis) – Rationality and moral authority.
Para maiores informações o Professor David Copp, acessar https://mail.google.com/mail/u/0/?ui=2&view=bsp&ver=ohhl4rw8mbn4 .
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CHAMADA DE TRABALHOS 
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O Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria convida a comunidade filosófica brasileira e internacional a participar do V Colóquio Internacional de Ética e Ética Aplicada, que será realizado de 18 a 21 de junho de 2012, em Santa Maria, RS. Já estão confirmadas as presenças dos seguintes palestrantes e comentadores:
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Adriano Naves de Brito (UNISINOS)
Alcino Bonella (UFU)
André Klaudat (UFRGS)
Carlos Ferraz (UFPEL)
César Schirmer dos Santos (UFSM)
Christian Viktor Hamm (UFSM)
Cinara Nahra (UFRN)
David Copp (University of California, Davis)
Denis Coitinho da Silveira (UFPEL)
Frank Sautter (UFSM)
Flavio Williges (UFSM)
Helder Carvalho (UFPI)
Ídia Laura Ferreira (UFRJ)
John Cottingham (University of Reading, UK)
João Carlos Brum Torres (UCS/UFRGS)
Jônadas Techio (UFRGS)
Leonardo Ribeiro (UFMG)
Lívia Guimarães (UFMG)
Luiz Eva (UFPR)
Marco Azevedo (UNISINOS)
Marina Oshana (University of California, Davis)
Michael Slote (University of Miami)
Ricardo Bins di Napoli (UFSM)
Wilson Mendonça (UFRJ)
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Serão aceitas propostas de comunicações em qualquer área da Ética ou da Ética Aplicada. Exemplos de áreas em que se espera receber propostas são: ética normativa (utilitarismo, ética das virtudes, principialismo, ética do cuidado, ética kantiana etc.), metaética (teorias da justificação moral, psicologia moral, ontologia moral etc.), bioética, ética aplicada (bioética, ética ambiental, direitos dos animais etc.). As comunicações terão duração de 20 minutos e 10 minutos de discussão. As submissões deverão ser feitas na forma de um resumo de aproximadamente 500 palavras, esboçando o argumento principal do texto. Esse resumo deverá ser enviado ao endereço eletrônico: vcoloquiodeeticaeeticaaplicada@gmail.com. Os dados do(a) autor(a) deverão constar apenas no corpo da mensagem, que deverá também indicar as áreas de especialização e os temas de interesse do autor. Os organizadores do evento solicitam, de preferência, que as comunicações aprovadas sejam apresentadas no formato de slides (evitando sempre que possível a leitura de textos longos) obedecendo a estrutura problema-argumentos-conclusões-referências.
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Data limite para o recebimento de propostas: 5 de março de 2012.
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Publicação de resultados: 15 de abril de 2012, na página do Departamento de Filosofia da UFSM (http://w3.ufsm.br/filosofia/). As decisões de aceitação serão baseadas em pareceres cegos sobre os resumos, a cargo do Comitê Acadêmico do Congresso.
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Local e Horário das Comunicações: As comunicações ocorrerão nos dias 18, 19 e 20 de junho de 2012, das 19:00 às 22:00 horas, nas dependências da Faculdade de Filosofia da UFSM. As salas e horários das comunicações aprovadas serão informadas até o dia 30 de maio de 2012.
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Idiomas: Serão aceitas apresentações em espanhol, português e inglês.
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Comitê Acadêmico:
César Schirmer dos Santos (UFSM), presidente do Comitê
Wilson Mendonça (UFRJ)
Noeli Dutra Rossatto (UFSM)
Jair Krassuski (UFSM)
Ricardo Bins di Napoli (UFSM)
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Comitê organizador:
Flávio Williges
Ricardo Bins di Napoli
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Inscrições / Período: As inscrições para o evento devem ser feitas na secretaria da FATEC, a partir de maio de 2012, ou no local do evento.
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Estudantes de graduação: R$ 20,00
Estudantes de pós-graduação: R$ 30,00
Professores: R$ 50,00
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Hospedagem e demais informações:
Para maiores informações sobre o colóquio, escrever para fwilliges@gmail.com oucesarschirmer@gmail.com.
Para informações de hospedagem e translado:
 fwilliges@gmail.com
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CALL FOR ABSTRACTS – 5th Colloquium on Ethics and Applied Ethics – Federal University of Santa Maria (Brazil), 18–21 June 2012
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The Philosophy Graduate Program of the Federal University of Santa Maria invites members of the international philosophical community to submit presentation abstracts for the 5th Colloquium on Ethics and Applied Ethics, to be held on 18-21 June, 2012, in Santa Maria, RS (Brazil).
Submissions will be accepted at vcoloquiodeeticaeeticaaplicada@gmail.com until March 5th, 2012, in the form of an abstract of up to 500 words, plus title of presentation, and author information in English, Portuguese or Spanish. Presentations will be 20 minutes long followed by a 10 minute discussion. Further information can be obtained at the email address above.
There are no fees for submission of abstracts. Participation (including presentations) require registration, which includes the following fees, to be paid upon arrival at the Colloquium:
Undergraduate students: R$ 20 (US$ 12)
Graduate students: R$ 30 (US$ 17)
Faculty: R$ 50 (US$ 29)


quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Branco e preto

Esse texto, um pouco longo, ainda está em construção. Aceito sugestões de melhoria, críticas e qualquer tipo de correção educada. Nele eu pretendo fazer uma defesa ética da política de cotas. Por defesa ética deve-se entender aquele tipo de defesa que pretende mostrar que tal política garante ou faz mais justiça do que injustiça.


Nessa época do ano é muito comum encontrar estudantes dizendo que não entraram nas universidades federais, especialmente nos cursos mais concorridos como Medicina, Direito e Odontologia, em virtude da política de cotas. Esse tipo de alegação é, em primeiro lugar, formalmente ou legalmente injustificada. Se participo de um edital com regras estabelecidas e, de acordo com essas regras, não obtive a pontuação necessária, não foi o sistema de cotas o responsável pela minha reprovação, mas meu desempenho. O sistema atual estabelece certo número de vagas universais ou vagas para não-cotistas. Logo, minha aprovação ou reprovação dependerá de meu desempenho no grupo do qual faço parte. "Bom, mas essa é uma questão meramente legal ou formal!" alguém poderia retrucar. É verdade. Assim como é uma questão meramente legal que apenas diplomados em medicina possam exercer essa profissão. Atribuir a responsabilidade pela não aprovação ao sistema de cotas, do ponto de vista legal, é tão infundado quanto reclamar que não podemos clinicar, pois apenas médicos com diploma podem fazê-lo. A política de cotas é uma lei vigente no Brasil (ainda que tenha sido contestada) e utilizada em vários tipos de concursos. Lei é lei e existe para ser obedecida, ainda que isso, no mais das vezes, não nos agrade. Por que estou dizendo isso? Por que me parece um equívoco de partida considerar que a regra do jogo determina o resultado do jogo. A regra só determina como o jogo será jogado (com mais chances de vencer para alguns e menos chances para outros).

Outra questão, muito diferente e, me parece, mais pertinente, seria não colocar a culpa pelo desempenho ruim no vestibular ao sistema de cotas, mas recuar mais um passo e pôr o próprio sistema de cotas sob judice ou debate. Assumindo essa perspectiva, entraríamos num debate substantivo sobre a justiça existente no resguardo ou na reserva de vagas para negros, estudantes de escolas públicas, etc. A pergunta que faríamos seria, então, a seguinte: é justo que pessoas, por serem de um determinado grupo, tenham um tratamento diferenciado? A resposta para essa pergunta é: depende. Mas depende do quê, exatamente? Depende dos critérios que elegemos para considerar algo justo. Quais critérios estamos dispostos a adotar e que, ao mesmo tempo, garantam uma  partilha justa de vagas?
Em primeiro lugar, só pode ser justo fazer algo que for real ou efetivamente aplicável. Não faz sentido considerar justo um critério que não pode ser aplicado na prática. Um critério historicamente utilizado em seleções é o mérito ou desempenho linear. A distribuição de vagas por mérito é o processo no qual colocamos duas ou mais pessoas disputando uma vaga, submetemo-as a um teste ou prova e a vaga é dada  àquela pessoa que obtiver o melhor desempenho na prova. Nesse sistema, se, por hipótese, um negro e um branco estiverem disputando a vaga, obterá a vaga aquele, dentre os dois, alcançar o melhor desempenho simpliciter, ou seja, independente de quaisquer outros fatores que poderiam ser levados em consideração, como as condições econômicas, históricas, físicas, psiquícas, gênero, cor etc.
 É certo considerar só o desempenho numa seleção? Aparentemente sim. O sistema de desempenho linear  iguala as pessoas e parece uma questão de justiça tratar as pessoas de maneira equivalente, quando não temos nenhuma razão para agir de outro modo. Justiça e igualdade, portanto, são termos muito ligados. Pessoas são tratadas igualmente quando elas não são escolhidas por serem ricas, por terem poder ou influência ou por fazerem parte de um determinado grupo social, mas por manifestarem uma habilidade ou destreza particular valiosa naquele caso.
 Aqui alguém poderia objetar que o desempenho depende de muitos fatores e que pessoas pobres, por exemplo, que não tem piano em casa, dificilmente disputarão vagas como músicos em igualdade de condições com ricos. Esse raciocínio está correto. Isso parece significar que o desempenho, isoladamente, nem sempre é uma forma justa de seleção. Se o desempenho depende de outros fatores e esses fatores não são igualmente distribuidos entre os interessados, então usar só o desempenho como critério não é justo. Ele só é justo quando as diferenças entre os interessados na vaga forem nulas ou dependentes apenas de fatores que estão sob o controle dos interessados (como a dedicação, persistência, organização).   Se existe uma causa que não está sob o controle do candidato e essa causa for capaz de impedi-lo de ter um  desempenho em igualdade de condições com os demais, então somente o desempenho não garante a justiça.  É fácil de perceber isso com um exemplo. Considere que duas pessoas estão disputando uma corrida de cem metros e estamos interessados em saber se o tempo gasto para completar  o trajeto é um critério justo para definir o vencedor. Se uma delas for um amputado, que enfrenta grandes dificuldades para se locomover e a outra um atleta de alto rendimento, então claramente é injusto usar o tempo gasto como critério.  O desempenho não qualificado parece ser um critério justo para distribuição de vagas quando nenhum fator de maior peso (e que não puder ser modificado pelo interessado) puder determinar o desempenho. Mas existem fatores reais e não controláveis pelos interessados capazes de interferir no desempenho em exames?


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"Viver é bom, nas curvas da estrada, solidão, que nada!"


às vezes, viver pode ser difícil e cansativo; têm certos dias que  somos dominados pelo medo e sentimos como se não tivéssemos força. Mas o ser é abertura, estar em jogo, como diz Heidegger. Esse tipo de 'existencialismo' pode ser desesperador, quando aquilo que amamos parece desabar, escapar por entre nossos dedos. Eu prefiro lê-lo como um convite à afirmação da incerteza, da virtude da projeção, da esperança no futuro. Somente as almas mortas podem querem que a vida seja estável, sem contorções. As almas vivas querem viver, absorver o vento, as flores e esquecer o cansaço.  

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Depois de tanto tempo


Estou lendo Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski. Tentei lê-lo várias vezes, anos atrás. A primeira vez foi logo depois de ter lido Crime e Castigo, uma obra que me impressionou muito, sobretudo pela fineza da descrição psicológica. Karamazov não é menos precioso, nesse sentido, embora os personagens, especialmente Aliocha, sejam nitidamente mais reflexivos ou mais afeitos à teorização da vida. 
Dostoiévski me fez lembrar de  Iris Murdoch  e dos mecanismos de aperfeiçoamento do caráter. Ela sustenta que os filósofos morais modernos tem se dedicado excessivamente ao estudo das condições mediante as quais uma ação pode ser caracterizada como "certa". Ela sustenta, em contrapartida, que a filosofia moral deveria se ocupar mais com a questão: "como podemos nos tornar melhores?". Para isso, valem não só argumentos, mas também metáforas ilustrativas de nossa condição. Não conheço nada melhor do que a boa literatura para proporcionar esse tipo de ensinamento.