quarta-feira, 1 de abril de 2015

Meus livros favoritos de Ética e Filosofia

Esses dias recebi pelo Facebook uma lista de livros que ensinam a gostar de filosofia. Acho que não me senti atraído por nenhum deles. Resolvi, então, fazer a minha lista de livros ou textos de ética e filosofia geral. A lista não tem ordem de relevância e não oferece uma imagem completa da riqueza e fascínio da Filosofia, mas seguramente apresentará ao leitor algumas das páginas mais bem escritas e prazerosas de toda a história do Ocidente. Citei uma pequena passagem ao lado de cada texto para que os leitores possam ter um preview do conteúdo.

Cartas a Lucílio de Sêneca

O objetivo da filosofia consiste em dar forma e estrutura à nossa alma, em ensinar-nos um rumo na vida, em orientar os nossos atos, em apontar-nos o que devemos fazer ou por de lado, em sentar-se ao leme e fixar a rota de quem flutua a deriva entre escolhos. Sem ela ninguém pode viver sem temor, ninguém pode viver em segurança. (SÊNECA, 2009, Livro II, Carta 16)



As Meditações de Marco Aurélio 

Da vida humana, a duração é um ponto; a substância, fluída; a sensação, apagada; a composição de todo o corpo, putrescível; a alma, inquieta; a sorte, imprevisível; a fama, incerta. Em suma, tudo que é do corpo é um rio; o que é da alma, sonho e névoa; a vida, uma guerra, um desterro; a fama póstuma, olvido. O que, pois, pode servir-nos de guia? Só e única a Filosofia. Consiste ela em guardar o nume interior livre de insolências e danos, mais forte que os prazeres e mágoas, nada fazendo com leviandade, engano ou dissimulação, nem precisando que outrem faça ou deixe de fazer nada, acatando, ainda, os eventos e quinhões que lhe tocam, como vindos da mesma origem qualquer donde vem ele próprio; sobretudo, aguardando de boa mente a morte, qual mera dissolução dos elementos de que se compõe cada um dos viventes. (Marco Aurélio, Meditações, p. 269)




A Ética a Nicômaco de Aristóteles

Quero dizer a virtude moral, pois ela concerne a ações e emoções, nas quais há excesso, falta e meio termo. Por exemplo, é possível temer, ter arrojo, ter apetite, encolerizar-se, ter piedade e, em geral, aprazer-se e afligir-se muito e pouco, e ambos de modo não adequado; o quando deve, a respeito de quais, relativamente a quem, com que fim e como deve é o meio termo e o melhor, o que justamente é a marca da virtude. (EM, I, 1106b20-24) 


Apologia de Sócrates de Platão

Estou tentando apenas convencer-vos, aos mais jovens e mais velhos, de que não deveis preocupar-vos com os corpos, com as riquezas ou com alguma outra coisa antes de vos preocupardes primeiramente com a alma, de forma que se torne o melhor possível, afirmando que a virtude não nasce das riquezas, mas da própria virtude vêm, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto privados como públicos.






A soberania do Bem de Iris Murdoch
Que a vida humana não tem nenhum ponto de vista externa ou telos é uma idéia tão difícil de sustentar quanto o seu oposto, e eu simplesmente a aceitarei. Eu não vejo nenhum indício que sugira que a vida humana não seja algo auto-contido. Existem propriamente muitos padrões e propósitos na vida, mas não há nenhum padrão ou propósito geral que esteja, como se fosse, assegurado de um ponto vista externo, do tipo que filósofos e teólogos costumam buscar. Nós somos o que parecemos ser: criaturas mortais passageiras, sujeitas à necessidade e ao acaso. Isso é dizer que não há, a meu ver, Deus no sentido tradicional desse termo; e que o sentido tradicional é talvez o único.



Investigação sobre os Princípios da Moral de David Hume


Vamos analisar o complexo de qualidades mentais que constituem aquilo que, na vida cotidiana, chamamos de mérito pessoal, vamos considerar todos os atributos do espírito que fazem de alguém um objeto seja de estima e afeição, seja de ódio ou desprezo; todos os hábitos, sentimentos ou faculdades que, atribuídos a uma pessoa qualquer, implicam ou louvor ou censura e poderiam figurar em algum panegírico ou sátira de seu caráter e maneiras (I, p. 25).  (E, p. 173-174)


Resposta à Pergunta: o que é Esclarecimento? de Immanuel Kant

Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indíviduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento.



O valor da Filosofia de Bertrand Russell

O homem que não tem a mais pequena capacidade filosófica, vive preso aos preconceitos derivados do senso comum, das crenças habituais da sua época ou da sua nação, e das convicções que se formaram na sua mente sem a cooperação ou o consentimento reflectido da sua razão. Para um tal homem o mundo tende a tornar-se definido, finito, óbvio; os objectos vulgares não levantam quaisquer questões e as possibilidades invulgares são desdenhosamente rejeitadas. Assim que começamos a filosofar, pelo contrário, verificamos que mesmo os objectos mais comuns levam a problemas a que apenas podemos dar respostas muito incompletas. Embora a filosofia seja incapaz de nos dizer com certeza qual é a resposta verdadeira às dúvidas que levanta, é capaz de sugerir muitas possibilidades que alargam os nossos pensamentos e os libertam da tirania do costume. Assim, embora diminua o nosso sentimento de certeza quanto ao que as coisas são, a filosofia aumenta muito o nosso conhecimento do que podem ser; elimina o dogmatismo um tanto arrogante daqueles que nunca viajaram na região da dúvida libertadora e, ao mostrar as coisas que são familiares com um aspecto invulgar, mantém viva a nossa capacidade de admiração. 




Os Ensaios de Ralph Waldo Emerson
Em toda obra de gênio, reconhecemos nossos próprios pensamentos rejeitados: eles retornam a nós com uma certa majestade alienada. As grandes obras de arte não nos ofertam lição mais tocante do que esta. Elas nos ensinam a ser fiéis, com inflexibilidade bem-humorada, a nossas impressões espontâneas, mormente quando o clamor inteiro das vozes encontra-se do lado oposto. De outro modo, um estranho dirá amanhã, com bom senso magistral, precisamente o que temos pensado e sentido o tempo todo, e seremos forçados a aceitar de outrem, com vergonha, nossa própria opinião. [...] Confia em ti: todo o coração vibra em consonância com essa corda de ferro. Grandes homens sempre agiram assim e fiaram-se, à maneira das crianças, no gênio de sua época, revelando sua percepção de que o absolutamente digno de confiança encontrava-se assentado em seus corações, trabalhava pelas suas mãos, predominava em todo o seu ser. E agora, sendo homens, devemos aceitar com elevação de espírito o mesmo destino transcendente; e não nos fazer de menores ou inválidos, protegidos em um canto, nem fugir como covardes ante uma revolução, mas exercer o papel de guias, redentores e benfeitores.


Walden e o ensaio Walking de Henry David Thoreau
 A vida é coerente com a natureza indomada. O mais selvagem é o que está mais vivo. Por não estar dominado pelo homem, a presença do que é selvagem o renova. Para aquele que quer seguir em frente sem parar para descanso, que cresce rapidamente e exige tudo da vida, o melhor lugar é uma terra nova ou selvagem cheia de máteria-prima para a vida. O homem com essa disposição prefere subir pelos dóceis troncos das árvores primitivas das florestas (Thoreau, Walking, p. 124-125)





As Meditações Metafísicas de Descartes


…aplicar-me-ei seriamente e com liberdade em destruir em geral todas as minhas antigas opiniões. Ora, não será necessário, para alcançar esse desígnio, provar que todas elas são falsas, o que talvez nunca levasse a cabo; mas, uma vez que a razão já me persuade de que não devo menos cuidadosamente impedir-me de dar crédito às coisas que são inteiramente certas e indubitáveis, do que às que nos parecem manifestamente ser falsas, o menor motivo de dúvida que eu nelas encontrar bastará para me levar a rejeitar todas.



Os Ensaios de Michel de Montaigne

Saber lealmente gozar do próprio ser, eis a perfeição absoluta e divina. As mais belas vidas são, penso, as que se adaptam ao modelo geral da existência humana, as mais bem ordenadas e de que se excluem o milagre e a extravagância”. (Ensaios, III, p. 386-388)





Da Certeza de Ludwig Wittgenstein

‘Eu sei que aquilo é uma árvore’ – isto pode significar todo tipo de coisa: Olho para uma planta que considero ser uma bétula jovem e que outra pessoa julga ser uma groselheira preta. Essa pessoa diz ‘ é um arbusto’; eu digo que é uma árvore. Vemos qualquer coisa no nevoeiro que um de nós pensa ser um homem e o outro diz ‘eu sei que aquilo é uma árvore’. Alguém pretende testar os meus olhos, etc, etc. ...De todas as vezes, ‘aquilo’ que declaro ser uma árvore é diferente