quarta-feira, 18 de junho de 2008







Mulheres





Para o bem e para o mal, as idéias filosóficas sempre estiveram por trás da capacidade do Ocidente interpretar a si mesmo. Com respeito ao sentido do feminino e do papel da mulher nos relacionamentos, no mundo social e natural não foi diferente. Alguns filósofos tinham opiniões bastante pejorativas acerca das mulheres, outros ajudaram a fixar um sentido romântico e frágil do feminino, embora, no mais das vezes, as coisas não tenham sido exatamente assim. Nietzsche é, talvez, o que mais se notabilizou num tipo de ataque brutal, depreciativo, da mulher. Até hoje muitos comentadores da obra de Nietzsche esforçam-se para justificar seus “pensamentos” sobre a condição feminina.
Mas também é verdade que o preconceito contra a mulher é uma atitude pouco racional e enfrentou resistências desde Platão. Os estóicos, Stuart Mill, Hume e muitos outros podem ser considerados pensadores feministas que contribuíram abertamente a favor da causa feminina. E, talvez por isso, a dignidade da mulher é hoje um fato cristalino que encontra seu maior atestado nas piadas masculinas cheias de ressentimento sobre o novo estatuto da mulher. As razões do ressentimento são evidentes: nada incomoda mais o homem do que reconhecer-se um senhor sem domínios bem demarcados, vivendo ao lado de figuras independentes, seguras e livres.
Como num festival de bruxaria, a crescente igualdade entre os sexos torna as duas almas e naturezas exorcizáveis: nem o homem, nem a mulher estão salvos. Os dois vivem nessa condição de contínua ambigüidade; não é bem, nem mal ser macho ou fêmea. Ao contrário de pensar a mulher por metáforas geográficas de ocupação de espaços, ou funcionais como o exercício de papéis masculinos, talvez devamos ver um jogo de alimentação mútua entre homem e mulher, com a criação de duas figuras de contornos cada vez mais tênues, intercambiáveis, mutantes. Algumas mulheres já sustentam homens; a passividade é uma propriedade que vaga errante entre ambos. O mesmo vale para outras atribuições como o comando, a perspicácia nos negócios, etc.
Trato hoje de mulheres, pois acredito que pela primeira vez na história de Santa Cruz existe uma grande probabilidade de duas mulheres disputarem a prefeitura. Em termos de maturidade política é uma grande notícia, considerando, especialmente, que o direito feminino de voto no Brasil só foi plenamente conquistado em 1934. Em 1932, podiam votar as mulheres casadas, mediante autorização do marido e as solteiras e viúvas com renda própria. E se as coisas melhoraram em termos de dignidade ou quanto ao estatuto do gênero, a opressão política da mulher ainda está longe de acabar. Apesar de representar mais de 50% do total da população brasileira, a proporção de mulheres na política é bem menor do que homens e seria menor ainda se os tribunais não fixassem um número mínimo de candidatas a cargos eletivos por partido. Além disso, até hoje é comum encontrar muitas mulheres submissas que votam no candidato do marido (sabe-se lá porque razão) . No jogo político, portanto, a história continua pendendo para o lado dos homens.
Mas que diferença faz ter uma mulher ou um homem no poder? Essa é realmente uma pergunta intrigante. Uma resposta bem óbvia seria dizer que as mulheres são melhores representantes políticas das aspirações delas mesmas. Mas isso não parece ser uma verdade e nem mesmo algo bom: um político exemplar deve atender o interesse comum, os melhores interesses e não apenas vantagens corporativas. O melhor argumento para as mulheres estarem no poder político é este: mulheres e homens devem estar juntos no poder por igualdade, partilha e mútua presença. Não existe mística particular, de um ou de outro. Pensar que a mulher na política pode ser uma “mãe protetora” é um equívoco, possivelmente causado pela força das idéias filosóficas e românticas do passado que ainda atravancam nossa mente. As mulheres cheias de sensibilidade, que não agem como homens, são parte de uma antiga mística, que pouco ajuda nas escolhas do presente. A mulher não é o reservatório do amor, não é a certeza do perdão, não é uma alma cândida e frágil sempre pronta a nos guardar em seus braços. Mulheres são como homens, com desejos, temores, aspirações...humanas, às vezes fortes, às vezes fracas, como nós. Por isso mesmo, é bom que os dois se encontrem por perto não só dentro de casa, mas também no espaço público que é, afinal, também um espaço delas.

2 comentários:

Giovani Felice disse...

Flávio

Maravilhosa postagem (o texto e a foto)!

Flavio Williges disse...

valeu velhinho!
F.