terça-feira, 29 de junho de 2010

passado, presente, dor e alegria


"Melancolia", de Edgar Munch

Quando o passado nos afeta de ternura e alegria, chama-se saudade. Quando o passado nos afeta de tristeza, chama-se dor. Nenhuma experiência inter-humana ou de homens com coisas está livre da ação dessas duas forças: dor e saudade. E não parece correto supor que aumentando o conjunto de vivências, o homem terá menos oportunidades de sentir dor. Parece correto supor, no entanto, que se, no presente, dirigimos a alma para as experiências que nos afetaram de alegria no passado, as experiências presentes serão, quando engolidas pelo tempo, saudáveis, dignas de saudade.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Um diálogo entre Arjuna e Krishna




 Arjuna:

"Qual é, porém, a sorte daquele, ó Mestre, que está cheio de fé, mas não atinge a perfeição em Yoga, porque não domina a sua mente, que se afasta do caminho da disciplina? Perecerá, talvez, como uma nuvem despedaçada pelos ventos?

Krishna:

"Não, meu caríssimo, não perecerá o homem em tais condições; não será aniquilado nem neste mundo, nem nos vindouros. A fé conserva-o vivo, a sua bondade preserva-o da aniquilação. Não se perde nunca quem vive honestamente e em Mim confia. [...]

Como vês, yogi é aquele que procura a Verdade e, confiando na Justiça da Lei Absoluta, sempre faz o melhor que pode. [...]

Sê, pois, ó Arjuna! também um yogi, cheio de fé e bondade!

De todos os yogis, Eu prefiro, porém, aquele que Me adora com fé e a Mim dedica o interior de sua alma; aquele cujo coração transborda Meu Amor e cuja mente sempre sente a minha presença e, com ela, a Paz Suprema" (Bhagavad Gîtâ: a mensagem do Mestre. São Paulo:Pensamento, 2006, p. 80-83)
 

quarta-feira, 23 de junho de 2010




Estou lendo um dos volumes do excelente  The Development of Ethics de Terence Irwin. Em breve apresentarei uma exposição mais detalhada da importância desse livro para todos os interessados na história da ética.

sábado, 19 de junho de 2010

José Saramago

"No fundo, todos temos necessidade de dizer quem somos e que é que estamos fazendo e a necessidade de deixar algo feito, porque esta vida não é eterna e deixar coisas feitas pode ser uma forma de eternidade".
Em bom português: bravo e que descanse em paz!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Que o começo da sociedade civil provém do medo recíproco


Assim esclarece a experiência, a todos aqueles que tenham considerado com alguma precisão maior que a usual os negócios humanos, que toda reunião, por mais livre que seja, deriva quer da miséria recíproca, quer da vã glória, de modo que as partes reunidas se empenham em conseguir algum benefício, ou aquele mesmo eudokimein (em grego no original e significa fama) que alguns estimam e honram junto àqueles com quem conviveram. [...] mas, embora os benefícios desta vida possam ser ampliados, e muito, graças à colaboração recíproca, contudo- como podem ser obtidos com mais facilidade pelo domínio, do que pela associação com outrem-, espero que ninguém vá duvidar de que, se fosse removido todo o medo, a natureza humana tenderia com muito mais avidez à dominação do que a construir uma sociedade. Devemos portanto concluir que a origem de todas as grandes e duradouras sociedades não provém da boa vontade recíproca que os homens tivessem uns para com os outros, mas do medo recíproco que uns tinham dos outros. (Hobbes, Do Cidadão, Capítulo 1, parágrafo 2, p. 28, da edição da Martins Fontes).

domingo, 6 de junho de 2010

política



De todas as coisas detestáveis da política eleitoral, a mentira ou falsidade deve ser a maior delas. Quem foi que deu aos políticos e seus seguidores o direito de mentir tão vergonhosamente? e o que esperam encontrar por trás de tanta distorção da realidade? 

Se mentimos para alcançar algum objetivo que outros poderiam alcançar dizendo a verdade, então trapaçeamos. Se trapaçeamos, traímos a pureza do jogo e, sem pureza, não há mérito ou valor; apenas logro. 
Não posso me considerar vencedor se, numa corrida de 800 m, faço os primeiros 400 m de bicicleta. Seria mais glorioso dar apenas um passo com minhas próprias pernas!

sábado, 5 de junho de 2010

Witman



Plantei uma flor nova
Um deus perturba meu olhar
A terra e todas as folhas e plantas
Irradiam glória e esperança!
Restará um tempo mais para pensar?
Ou vagará minha alma entre as estradas
Pesquisando o futuro da terra?
A arte de amar é um plano calmo?
Naveguei, vesti teu corpo, amei teus olhos
Naveguei, corri, quis imaginar Deus
Ver suas mãos,
Quis saborear o orvalho mágico das manhãs de primavera,
Mas minha boca e meus dedos eram curtos e mansos
E eu não via senão os feijões dourados e as ervas de espinho
Meu olhar de humano,
Meu olhar de animal assustado.
 A magia secreta
Onde se esconde, onde está oculta?
Deus, o Deus do amor, vive nas flores das plantas, nas sombras
Nos canteiros perfumados e doces
De alecrins e guirlandas?
Ou caminha sobre as águas
Faz milagres, reconhece o dom das almas
Sua verdadeira liberdade?
Quem silencia ou liberta
Somos nós ou o mistério que vemos?
Quem descobre esse véu, conhece as estrelas e traça seu desenho sobre
As orelhas amargas do céu?


Existem muitas maneiras de entender o ofício do filósofo. Suponho que o entendimento mais comum na nossa época (1990 para cá, digamos) consista em tomar o filósofo como um um pensador profissional, uma espécie de técnico que formula teorias que servem de solução (possível) para problemas filosóficos. Eu creio que essa é uma parte importante da atividade filosófica, mas não o todo.
Desde minhas primeiras leituras de textos filosóficos firmei a convicção que ser filósofo ou ocupar-se com  filosofia é também ser capaz de promover algum tipo de transformação existencial, uma transformação em nossa personalidade ou no modo como vemos nossa própria condição. A atividade filosófica não é apenas uma atividade cerebral ou intelectual de solução de enigmas teóricos. Quando procuramos desvendar conceitos ou temas obscuros como a "beleza", o "bom", a "verdade", a natureza do que "existe", a própria apreensão de nós mesmos, o modo como nos compreendemos, sofre alteração.Por exemplo: se me ponho a pensar no que há, na facilidade com que as coisas desaparecem e no gigantesca teia de preocupações tolas que governam nossa vida (algo que, ainda que fora de moda, pode ser um objeto de estudo da filosofia), posso ser tomado por um sentimento de fragilidade e pequenez, um sentimento útil para aplacar minha intolerância, a negação dos outros, algum sinal de estupidez. Sêneca, nas Cartas a Lucílio:

Vamos, faz o cálculo da tua existência. Conta quanto deste tempo foi tirado para um credor, uma amante, pelo poder, por um cliente. Quanto tempo foi tirado pelas brigas conjugais e por aquelas com empregados, pelo dever das idas e vindas pela cidade. Acrescenta, ainda, as doenças causadas por nossas próprias mãos e também todo o tempo desperdiçado. Verás que tens menos anos do que contas. Perscruta a tua memória: quando atingiste um objetivo? Quantas vezes o dia transcorreu como planejado? Quando mantiveste uma boa aparência, o espírito tranqüilo? O quanto de tua existência não foi retirado pelos sofrimentos sem necessidade, tolos contentamentos, paixões ávidas, conversas inúteis, e quão pouco restou que era teu? Compreenderás que morres cedo’. O que está em causa então? Viveste como se fosses viver para sempre, nunca te ocorreu a tua fragilidade. Não te dás conta de quanto tempo já transcorreu.


Ler e deter-se num texto filosófico assemelha-se, como dizia Sócrates, a levar uma ferroada. Saímos do texto de um modo diferente daquele que entramos. Talvez outros textos (religiosos, científicos, literários) tenham essa propriedade exortativa. Mas na filosofia, mesmo na filosofia mais técnica, arrisco a dizer, a função exortativa é como uma sombra silente.