quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Saramago sobre as chuvas e mortes em Santa Catarina



No Brasil, entre entrevista e entrevista, fico a conhecer duas notícias: uma, a má, a terrível, que o temporal que de vez em quando desaba sobre São Paulo para deixar, minutos de fúria depois, um céu limpo e a sensação de que não se passou nada, no sul causou pelo menos 59 mortos e deixou milhares de pessoas sem casa, sem um tecto onde dormir hoje, sem um lar onde seguir vivendo. Notícias destas, apesar de tantas vezes lidas, não podem deixar-nos indiferentes. Pelo contrário, cada vez que nos chega a voz de um novo descalabro da natureza aumenta a dor e a impaciência. E também a pergunta a que ninguém quer responder, embora saibamos que tem resposta: até quando viveremos, ou viverão os mais pobres, à mercê da chuva, do vento, da seca, quando sabemos que todos esses fenómenos têm solução numa organização humana da existência?
Leia mais no blog desse grande escritor

"entendam-se bem essas palavras e se verá que expõem de maneira excelente as verdadeiras fronteiras e limites em que se encerra e circunscreve o conhecimento humano; e isso ainda sem tanta constrição ou restrição, mas que ele pode compreender toda a natureza universal das coisas. Pois essas limitações são três. A primeira, que não situemos nossa felicidade no conhecimento a ponto de esquecer nossa mortalidade. A segunda, que apliquemos nosso conhecimento de modo que nos dê repouso e contentamento, e não inquietude ou insatisfação. A terceira, que não tenhamos a presunção de, pela contemplação da natureza, alcançar os mistérios de Deus" (p.22).


(Francis Bacon, O Progresso do Conhecimento, na bela edição com capa dura da editora da Unesp, com tradução, apresentação e notas de Raul Fiker).

domingo, 16 de novembro de 2008

Coisas para fazer em Santa Cruz quando se está morto

1- Ler Montaigne
2- ouvir ópera triste
3- dar colinho e uns apertos na Chiquinha
4- apreciar as cores da primavera.

"Tenho a intenção de viver tranqüilamente, sem me aborrecer, durante o tempo que me resta, e não desejo quebrar a cabeça com o que quer que seja, nem mesmo com a ciência que muito prezo.
Não busco nos livros senão o prazer de um honesto passatempo; e nesse estudo não me prendo senão ao que possa desenvolver em mim o conhecimento de mim mesmo e me auxilie a viver e morrer bem, "essa meta para onde deve correr o meu corcel".
(Montaigne, Ensaios, Capítulo X, Dos Livros)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008


Tenho a impressão, injusta talvez, que as coisas sempre são, para mim, mais difíceis. Não que o mundo tenha sido ingrato. Antes o contrário. Minha vida é boa demais. É que o mais leve acontecimento exige-me uma presença de ser completa, de modo que ando sempre de corpo e alma atirado em tudo....até nas coisas mais banais. É claro que esse é meu juízo e quem me assiste pode nem concordar. Muitos imaginam que sou um cara tranquilo, que leva a vida numa boa. Vez ou outra, no entanto, até um homem enganado deve ter o direito de falar o que pensa. E o que eu queria dizer hoje é que entrego para a vida todas as minhas forças. Se meus resultados não são valiosos, se falta força à minha prosa, se minha voz é fraca, talvez seja por uma falta de aptidão para o mundo, pois, da minha parte, devo dizer que me lanço deslumbrado em cada instante, me alegro e entristeço, canso e descanso, amo e odeio, cuido e adoeço, sempre no limite extremo. E essa tem sido toda minha desgraça..sentir sem saber ser prático, objetivo e direto como os homens mais preciosos e brilhantes conseguem ser. Invejo e admiro aqueles que dizem: "as coisas são assim", "isso aqui se resolve dessa maneira...vês como é simples". E eu, catatônico, que só queria tangenciar por um instante as barbas da verdade, vivo vagando daqui prá lá, fascinado com poesia, com frases significativas, sempre longe dessa habilidade de apanhar e reter as coisas com uma luz cristalina. Numa certa época minha memória até inventou uma frase do William Yeats que elogiava os ineptos (como eu). Era mais ou menos assim: "os melhores homens são frios e os piores são cheios de intensidade apaixonada". Naturalmente eu me encontrava na segunda categoria. Mas nem essa frase eu acertei, pois o que ele diz é coisa bem diferente:
"Rompem-se as coisas. O centro não mais agüenta/Mera anarquia anda solta sobre o mundo/A maré sangrenta não é contida/E por toda parte afogada a cerimônia da inocência/Privados os melhores de qualquer convicção/E cheios os piores da apaixonada intensidade" (William B. Yeats).




Escrevi esse texto dias atrás. Agora ele tá meio caduco, pois o Grêmio voltou a jogar. Talvez a parte etérea justifique a publicação.

Aproveitei um desses últimos domingos nublados para fugir de mais uma das lamentáveis apresentações do Grêmio. Reconheço agora que minha decisão foi das mais sábias. Evitei uma decepção e consegui ver a bela biografia do médico espírita Bezerra de Menezes que está em cartaz no Cine Santa Cruz.

Não tenho preconceito nenhum contra qualquer religião. Leio textos religiosos de várias tradições sempre com muito proveito e felicidade da alma. Gosto mais de algumas religiões, aquelas que estão mais próximas das minhas inclinações. Mas não creio que haja algo como uma “religião verdadeira”. Não creio que haja tal coisa, pois me parece haver uma comunhão de princípios básicos entre as diferentes religiões do mundo. Bezerra de Menezes manifesta, bem no início do filme, dois desses princípios: a natureza humana como espírito e a existência de Deus (o ser supremo). O primeiro princípio é admitido por qualquer credo não materialista, qualquer credo que admita a sobrevivência da alma após a morte. A diferença crucial é que muitas religiões, especialmente orientais e o espiritismo, acreditam que podemos renascer como corpo, enquanto outras negam tal possibilidade.

Já escrevi essa frase várias vezes: acredito que a vida seja um processo de aperfeiçoamento moral e espiritual. Não sei quantas vezes nos será dada a oportunidade de aprimorar nosso ser...aprimorar no sentido mais comum do termo. Talvez seja uma apenas, como é comum pensar na maioria das religiões do Ocidente. Se for apenas uma, temos que aproveitá-la maximamente e viver na direção dos melhores propósitos que uma vida humana permite.

Bezerra de Menezes me parece ter mostrado, independentemente de suas crenças particulares, o que é um bom direcionamento, um bom caminho de vida. E esse foi justamente o elemento que mais me chamou a atenção no figura desse brilhante médico cearense. Não foi saber que ele fez certas coisas por ser espírita ou católico, foi saber que ele não viveu para sua glória pessoal ou para as convenções da sociedade carioca, mas viveu pela grandeza de seus ideais pátrios, ideais abolicionistas e do fim dos maus-tratos aos irmãos negros, viveu para cultivar a dedicação aos outros e o espírito da caridade. Essa é a lição mais tocante que a vida de um crente, de um homem piedoso, pode ofertar.

Numa altura do filme ele discursa num enorme salão, cheio de pessoas importantes e professa publicamente suas crenças espíritas. Ele afirma algo como “a salvação está na caridade”. Não conheço o sentido do termo caridade nos textos espiritualistas. Até onde sei a caridade no texto bíblico de São Paulo é uma tradução do termo grego “ágape”, comumente traduzido por “amor ou caridade”, embora o termo grego pareça significar mais literalmente algo como “amor universal”. Considero que Bezerra de Menezes foi um bom exemplo desse amor universal, um amor difícil de traduzir em palavras, uma experiência (como ele relata) que talvez nunca ninguém nos tenha falado, mas que descobrimos em nossos melhores momentos, por se tratar de uma semente plantada em nossas almas.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Emerson


Um tributo ao meu entusiasmo pela vitória do Obama: Ralph Waldo Emerson, o primeiro grande herói americano.