domingo, 9 de agosto de 2009



Acabo de ler duas belas postagens do Saramago sobre Kafka e seu pai -melhor seria dizer sobre os conflitos de Kafka com seu pai. Pensei logo em meu pai e, naturalmente, em meus filhos. Além do clássico do Engels, não conheço muitos textos filosóficos dedicados às relações familiares, especialmente à reflexão em torno da difícil (no sentido da apreensão e noutros possíveis sentidos) figura do pai. De minha parte, tenho buscado, com todas as forças, fazer com que bons hábitos possam compor a mobília da alma de meus filhos, mas há sempre um risco de ser tendencioso e mal-compreendido.
Meu pai era o que se poderia chamar de um pai complicado, às vezes um péssimo pai. Ainda assim, amei-o tanto e amarei por toda a vida. Conheço pouco as forças que o moviam. A melhor lembrança que tenho dele era o abraço frágil, a relevância que atribuía ao estudo e um amor disfarçado na forma de orgulho incondicional em relação aos feitos "da piazada". Que falta ele me faz!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Guerra nas Estrelas


Uma foto do fotógrafo, autor e ilustrador canadense Chris McVeigh.
"McVeigh usa amêndoas para atrair os bichinhos, que permitem que ele os fotografe "contracenando" com stormtroopers - soldados fiéis ao vilão Darth Vader - feitos de peças de Lego". A matéria e outras fotos no sítio da BBC.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

voltei

Depois de alguns séculos, estou de volta e muito rapidamente para chamar atenção para um poste do Saramago sobre a influenza porcina. Dentre outras coisas, ele lembra o nosso modo nada ecológico de produzir animais como porcos e aves. Uma lembrança muito oportuna. O poste pode ser lido na íntegra no link aqui ao lado.

Como se observa, os contágios são muito mais complicados que entrar um vírus presumivelmente mortal nos pulmões de um cidadão apanhado na teia dos interesses materiais e da falta de escrúpulos das grandes empresas. Tudo está contagiando tudo. A primeira morte, há longo tempo, foi a da honradez. Mas poderá, realmente, pedir-se honradez a uma transnacional? Quem nos acode?

domingo, 18 de janeiro de 2009

Dame Iris Murdoch


Hilary Putnam descreveu Cavell como "um escritor que sempre fala para pessoas (individuals), e isto significa um em uma época. Ler Cavell como ele deve ser lido é fazer parte de uma conversação, uma conversação em que toda a sensibilidade dele e a sua estão envolvidas e não apenas a sua mente e a dele". No caso da Iris Murdoch, acredito que valem as mesmas palavras e poderíamos até ir mais longe. Iris não estabelece ou não se abre para nós na sensibilidade da conversação sincera. Ela reina sobre nós, pois fala de realidades intangíveis, realidades vívidas e esquecidas por cima de nossas cabeças. Ninguém ilustrou melhor que ela o dito de Emerson: "um homem é a fachada de um templo, no qual toda a sabedoria e todo bem residem".


"Que a vida humana não tem nenhum ponto externo ou telos é um ponto de vista tão dificil de defender quanto o seu contrário, de modo que simplesmente irei afirmá-lo. Eu não consigo ver nenhuma evidência que sugira que a vida humana não seja algo auto-contido. Existem realmente muitos padrões e propósitos dentro da vida, mas não há nenhum padrão ou propósito geral garantido externamente, da espécie que filósofos e teólogos procuram. Nós somos o que nós parecemos ser: criaturas mortais , transeuntes sujeitos à necessidade e mudança. Isso é o mesmo que dizer que não há, a meu juizo, nenhum Deus no sentido tradicional do termo; e o sentido tradicional talvez seja o único sentido.[...] Nosso destino pode ser examinado, mas nãopode ser justificado ou totalmente explicado. Nós simplesmente estamos aqui. E se há alguma espécie de sentido ou unidade na vida humana, e esse sonho nunca pará de nos perseguir, é de alguma outra espécie e deve ser visto dentro de uma experiência humana que não tem nada fora de si". (Iris Murdoch, The Sovereignty of Good, p. 77)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Ivan Lessa




Não sei nada sobre Ivan Lessa. Não sei se é de direita, esquerda ou do meio. Mas as crônicas dele tem alguma coisa que me agrada. Talvez seja essa mania ridícula que todos os intelectuais têm de ficar olhando o mundo, em vez de vivê-lo. Mais provável que sejam as frases certeiras e despretenciosas: "um homem é 30% a cidade em que vive". Confira o contexto da frase no site da BBC Brasil

domingo, 4 de janeiro de 2009

poesia


De baixo para cima os poetas Ivan Junqueira, Roberto Piva, Stella Leonardos.

O MaxSevero comentou que teria interesse em publicar um livro de poesia comigo. Respondi a gentileza do convite dizendo que mandaria para ele o que eu tinha escrito até hoje. Reluto muito em mostrar publicamente o que escrevo. Só mostrei algumas poesias minhas pra Marta, o Bruno e alguns amigos chegados. Bom, a verdade é que me encontrava, até ontem, animado com a proposta. Mas aí dei uma passeadinha pela internet buscando "poesia brasileira contemporânea" e me deparei com um bando de poetas da mais alta linhagem. A lista de bons autores que se pode percorrer é enorme. Resumindo o conto: não tenho mais vontade de publicar nada. Destaco três poemas que encontrei e gostei muito. O primeiro é do Roberto Piva, o segundo Ivan Junqueira, que faz parte da Academia e o terceiro de uma moça chamada Stella Leonardos.

O Inferno Musical

As horríveis pianolas
de câncer
descendo várias semínimas
até o Galo
ondas do meu agrado
& sempre
sonorizando a Hora Premeditada
OS QUINZE VELOCÍPEDES
NA LADEIRA
DO AMOR
como um Mar de bocas
tóxicas de Sagitário
ondulando nas almas
que dançam despidas
MONSTROS GIRATÓRIOS


ROBERTO PIVA - Piazzas (1964)


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Hoje


Ivan Junqueira

A sensação oca de que tudo acabou
o pânico impresso na face dos nervos
o solitário inverno da carne
a lágrima, a doce lágrima impossível...
e a chuva soluçando devagar
sobre o esqueleto tortuoso das árvores



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ESPELHOS

Stella Leonardos da Silva Lima Cabassa (Rio de Janeiro RJ, 1923)


É mancha de tinta

ou pele manchada?

É poeira em camada

ou pele que escama?

É pingo de roxo

ou sangue pisado?

É raiva de um rosto

ou rictus de máscara?

É imagem disforme

ou espelho infamante?

É mais que grotesco:

é face de drama.

É o trágico doendo:

um monstro se olhando.

Abaixo o que espelha!

Cristal, água, lâmina.

para o bem do futuro, um pouco de política


A crise da extrema esquerda

Emir Sader

Os resultados das eleições municipais vieram corroborar o que o cenário político nacional já permitia ver: o esgotamento do impulso da extrema esquerda, que tinha sido relançada no começo do governo Lula. A votação em torno de 1% de dois dos seus três parlamentares, candidatos a prefeito em São Paulo e no Rio de Janeiro, com votações significativamente menores do que as que tiveram como candidatos a deputados, sem falar na diferença colossal em relação à candidata à presidência, apenas dois anos antes – são a expressão eleitoral, quantitativa, que se estendeu por praticamente todo o país, do esgotamento prematuro de um projeto que se iniciou com uma lógica clara, mas esbarrou cedo em limitações que o levam a um beco difícil, se não houver mudança de rota.

A Carta aos Brasileiros, anunciando que o novo governo não iria romper nenhum compromisso – nesse caso, com o capital financeiro, para bloquear o ataque especulativo, medido pelo “risco Lula” -, a nomeação de Meirelles para o Banco Central e a reforma da previdência como primeira do governo – desenharam o quadro de decepção com o governo Lula, que levaria à saída do PT de setores de esquerda. A orientação assumida pelo governo inicialmente, em que a presença hegemônica de Palocci fazia primar os elementos de continuidade com o governo FHC sobre os de mudança – estes recluídos basicamente na política externa diferenciada e em setores localizados – e a reiteração de um governo estritamente neoliberal davam uma imagem de um governo que era considerado pelos que abandonavam o PT, como irreversivelmente perdido para a esquerda.

O dilema para a esquerda era seguir a luta por um governo anti-neoliberal dentro do PT e do governo ou sair para reagrupar forças e projetar a formação de uma nova agrupação. Naquele momento se cogitou a constituição de um núcleo socialista, dos que permaneciam e dos que saíam do PT, para discutir amplamente os rumos a tomar. Não apenas cabia uma força à esquerda do PT, como se poderia prever que ela seria engrossada por setores amplos, caso a orientação inicial do governo se mantivesse.

Dois fatores vieram a alterar esse quadro. O primeiro, a precipitação na fundação de um novo partido – o Psol -, com o primeiro grupo que saiu do PT – em particular a tendência morenista – passando a controlar as estruturas da nova agremiação. Isto não apenas estreitou organizativamente o novo partido, como o levou a posições de ultra-esquerda, responsáveis pelo seu isolamento e sectarização. A candidatura presidencial nas eleições de 2006 agregou um outro elemento ao sectarismo, que já levaria a uma posição de eqüidistância em relação ao governo Lula. O raciocínio predominante foi o de que o governo era o melhor administrador do neoliberalismo, porque além de mantê-lo e consolidá-lo, o fazia dividindo e confundindo a esquerda, neutralizando a amplos setores do movimento de massas. Portanto deveria ser derrotado e destruído, para que uma verdadeira esquerda pudesse surgir. O governo Lula e o PT passaram a ser os inimigos fundamentais da nova agrupação.

Esse elemento favoreceu a aliança – já desenhada no Parlamento, mas consolidada na campanha eleitoral – com a direita – tanto com o bloco tucano-pefelista, como com a mídia oligárquica -, na oposição ao governo e à reeleição de Lula. A projeção midiática benevolente da imagem da candidata do Psol lhe permitia ter mais votos do que os do seu partido, mas comprometia a imagem do partido com uma campanha despolitizada e oportunista, em que a caracterização do governo Lula não se diferenciava daquela feita na campanha do “mensalão”. Como se poderia esperar, apesar de algumas resistências, a posição no segundo turno foi a do voto nulo, isto é, daria igual para o novo partido a vitória do neoliberal duro e puro Alckmin ou de Lula. (Se tornava linha nacional oficial o que já se havia dado nas primeiras eleições em que o Psol participou, as municipais, em que, por exemplo, em Porto Alegre, diante de Raul Pont e Fogaça, no segundo turno, se afirmou que se tratava da nova direita contra a velha direita e se decidiu pelo voto nulo.)

Uma combinação entre sectarismo e oportunismo foi responsável pelo comprometimento da orientação política do novo partido, que o levou a perder a possibilidade de formação de um partido à esquerda do PT, que se aliasse a este nos pontos comuns e lutasse contra nos temas de divergência. O sectarismo levou a que sindicatos saíssem da CUT, sem conseguir se agrupar com outros, enfraquecendo a esquerda da CUT e se dispersando no isolamento. Levou a que os parlamentares do Psol votassem contra o governo em tudo – até mesmo na CPMF – e não apoiassem as políticas corretas do governo – como a política internacional, entre outras. Esta se dá porque o governo brasileiro tem estreita política de alianças com as principais lideranças de esquerda no continente – como as de Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia -, que apóiam o governo Lula, o que desloca completamente posições de ultra-esquerda – que se reproduzem de forma similar a dessa corrente no Brasil nesses países -, deixando de atuar numa dimensão fundamental para a esquerda – a integração continental.

Por outro, o governo Lula passou a outra etapa, com a saída de vários de seus ministros, principalmente Palocci, conseguindo retomar um ciclo expansivo da economia e desenvolvendo efetivas políticas de distribuição de renda, ao mesmo tempo que recolocava o tema do desenvolvimento como central – deslocando o da estabilidade, central para o governo FHC -, avançando na recomposição do aparelho do Estado, melhorando substancialmente o nível do emprego formal, diminuindo o desemprego, entre outros aspetos.

A caracterização do governo Lula como expressão consolidada do neoliberalismo, um governo cada vez mais afundado no neoliberalismo – reedição de FHC, de Menem, de Carlos Andrés Perez, de Fujimori, de Sanchez de Losada – se chocava com a realidade.

Economistas da extrema esquerda continuaram brigando com a realidade, anunciando catástrofes iminentes, capitulações de toda ordem, tentando resgatar sua equivocada previsão sobre os destinos irreversíveis do governo, tentando reduzir o governo Lula a uma simples continuação do governo FHC, reduzindo as políticas sociais a “assistencialismo”, mas foram sistematicamente desmentidos pela realidade, que levou ao isolamento total dos que pregam essas posições desencontradas com a realidade.

O isolamento dessas posições se refletiu no resultado eleitoral, em que todas as correntes de ultra-esquerda ficaram relegadas à intranscendência política, revelando como estão afastadas da realidade, do sentimento geral do povo, dos problemas que enfrenta o Brasil e a América Latina. As políticas sociais respondem em grande parte pelos 80% de apoio do governo,rejeitado por apenas 8%. Para a direita basta a afirmação do “asisistencialismo” do governo e da desqualificação do povo, que se deixaria corromper por “alguns centavos”, mas a esquerda não pode comprá-la, por reacionária e discriminatória contra os pobres.

Confirmação desse isolamento e de perda de sensibilidade e contato com a realidade é que não se vê nenhum tipo de balanço autocrítico, sequer constatação de derrota da parte da extrema esquerda. Se afirma que se fizeram boas campanhas, não importando os resultados, como se se tratassem de pastores religiosos que pregam no deserto, com a consciência de que representam uma palavra divina, que ainda não foi compreendida pelo povo. (Marx dizia que a pequena burguesia sofre derrotas acachapantes, mas não se autocrítica, não coloca em questão sua orientação, acredita apenas que o povo ainda não está maduro para sua posições, definidas essencialmente como corretas, porque corresponderiam a textos sagrados da teoria.)

Não fazer um balanço das derrotas, não se dar conta do isolamento em que se encontram, da aliança tácita com a direita e das transformações do governo Lula – junto com as da própria realidade econômica e social do país –, da constatação do caráter contraditório do governo Lula, que não deveria ser se inimigo fundamental revelariam a perda de sensibilidade política, o que poderia significar um caminho sem volta para a extrema esquerda. Seria uma pena, porque a esquerda brasileira precisa de uma força mais radical, que se alie ao PT nas coincidências e lute nas divergências, compondo um quadro mais amplo e representativo, combinando aliança a autonomia, que faria bem à esquerda e ao Brasil.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009


Enfim estou lendo o Folhas da Relva, do Walt Whitman. É o livro de um tigre, um homem livre. A alma selvagem que queria ter.
O som das palavras bafejadas por minha voz . . . . palavras disparadas nos
redemoinhos do vento,
Uns beijos de leve . . . . alguns agarros . . . . o afago dos braços,
Jogo de luz e sombra nas árvores enquanto oscilam seus galhos sutis,
Delícia de estar só ou no agito das ruas, ou pelos campos e encostas de colina,
Sensação de bem-estar . . . . apito do meio-dia . . . . a canção de mim mesmo se
erguendo da cama e cruzando com o sol.