quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Branco e preto

Esse texto, um pouco longo, ainda está em construção. Aceito sugestões de melhoria, críticas e qualquer tipo de correção educada. Nele eu pretendo fazer uma defesa ética da política de cotas. Por defesa ética deve-se entender aquele tipo de defesa que pretende mostrar que tal política garante ou faz mais justiça do que injustiça.


Nessa época do ano é muito comum encontrar estudantes dizendo que não entraram nas universidades federais, especialmente nos cursos mais concorridos como Medicina, Direito e Odontologia, em virtude da política de cotas. Esse tipo de alegação é, em primeiro lugar, formalmente ou legalmente injustificada. Se participo de um edital com regras estabelecidas e, de acordo com essas regras, não obtive a pontuação necessária, não foi o sistema de cotas o responsável pela minha reprovação, mas meu desempenho. O sistema atual estabelece certo número de vagas universais ou vagas para não-cotistas. Logo, minha aprovação ou reprovação dependerá de meu desempenho no grupo do qual faço parte. "Bom, mas essa é uma questão meramente legal ou formal!" alguém poderia retrucar. É verdade. Assim como é uma questão meramente legal que apenas diplomados em medicina possam exercer essa profissão. Atribuir a responsabilidade pela não aprovação ao sistema de cotas, do ponto de vista legal, é tão infundado quanto reclamar que não podemos clinicar, pois apenas médicos com diploma podem fazê-lo. A política de cotas é uma lei vigente no Brasil (ainda que tenha sido contestada) e utilizada em vários tipos de concursos. Lei é lei e existe para ser obedecida, ainda que isso, no mais das vezes, não nos agrade. Por que estou dizendo isso? Por que me parece um equívoco de partida considerar que a regra do jogo determina o resultado do jogo. A regra só determina como o jogo será jogado (com mais chances de vencer para alguns e menos chances para outros).

Outra questão, muito diferente e, me parece, mais pertinente, seria não colocar a culpa pelo desempenho ruim no vestibular ao sistema de cotas, mas recuar mais um passo e pôr o próprio sistema de cotas sob judice ou debate. Assumindo essa perspectiva, entraríamos num debate substantivo sobre a justiça existente no resguardo ou na reserva de vagas para negros, estudantes de escolas públicas, etc. A pergunta que faríamos seria, então, a seguinte: é justo que pessoas, por serem de um determinado grupo, tenham um tratamento diferenciado? A resposta para essa pergunta é: depende. Mas depende do quê, exatamente? Depende dos critérios que elegemos para considerar algo justo. Quais critérios estamos dispostos a adotar e que, ao mesmo tempo, garantam uma  partilha justa de vagas?
Em primeiro lugar, só pode ser justo fazer algo que for real ou efetivamente aplicável. Não faz sentido considerar justo um critério que não pode ser aplicado na prática. Um critério historicamente utilizado em seleções é o mérito ou desempenho linear. A distribuição de vagas por mérito é o processo no qual colocamos duas ou mais pessoas disputando uma vaga, submetemo-as a um teste ou prova e a vaga é dada  àquela pessoa que obtiver o melhor desempenho na prova. Nesse sistema, se, por hipótese, um negro e um branco estiverem disputando a vaga, obterá a vaga aquele, dentre os dois, alcançar o melhor desempenho simpliciter, ou seja, independente de quaisquer outros fatores que poderiam ser levados em consideração, como as condições econômicas, históricas, físicas, psiquícas, gênero, cor etc.
 É certo considerar só o desempenho numa seleção? Aparentemente sim. O sistema de desempenho linear  iguala as pessoas e parece uma questão de justiça tratar as pessoas de maneira equivalente, quando não temos nenhuma razão para agir de outro modo. Justiça e igualdade, portanto, são termos muito ligados. Pessoas são tratadas igualmente quando elas não são escolhidas por serem ricas, por terem poder ou influência ou por fazerem parte de um determinado grupo social, mas por manifestarem uma habilidade ou destreza particular valiosa naquele caso.
 Aqui alguém poderia objetar que o desempenho depende de muitos fatores e que pessoas pobres, por exemplo, que não tem piano em casa, dificilmente disputarão vagas como músicos em igualdade de condições com ricos. Esse raciocínio está correto. Isso parece significar que o desempenho, isoladamente, nem sempre é uma forma justa de seleção. Se o desempenho depende de outros fatores e esses fatores não são igualmente distribuidos entre os interessados, então usar só o desempenho como critério não é justo. Ele só é justo quando as diferenças entre os interessados na vaga forem nulas ou dependentes apenas de fatores que estão sob o controle dos interessados (como a dedicação, persistência, organização).   Se existe uma causa que não está sob o controle do candidato e essa causa for capaz de impedi-lo de ter um  desempenho em igualdade de condições com os demais, então somente o desempenho não garante a justiça.  É fácil de perceber isso com um exemplo. Considere que duas pessoas estão disputando uma corrida de cem metros e estamos interessados em saber se o tempo gasto para completar  o trajeto é um critério justo para definir o vencedor. Se uma delas for um amputado, que enfrenta grandes dificuldades para se locomover e a outra um atleta de alto rendimento, então claramente é injusto usar o tempo gasto como critério.  O desempenho não qualificado parece ser um critério justo para distribuição de vagas quando nenhum fator de maior peso (e que não puder ser modificado pelo interessado) puder determinar o desempenho. Mas existem fatores reais e não controláveis pelos interessados capazes de interferir no desempenho em exames?


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"Viver é bom, nas curvas da estrada, solidão, que nada!"


às vezes, viver pode ser difícil e cansativo; têm certos dias que  somos dominados pelo medo e sentimos como se não tivéssemos força. Mas o ser é abertura, estar em jogo, como diz Heidegger. Esse tipo de 'existencialismo' pode ser desesperador, quando aquilo que amamos parece desabar, escapar por entre nossos dedos. Eu prefiro lê-lo como um convite à afirmação da incerteza, da virtude da projeção, da esperança no futuro. Somente as almas mortas podem querem que a vida seja estável, sem contorções. As almas vivas querem viver, absorver o vento, as flores e esquecer o cansaço.  

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Depois de tanto tempo


Estou lendo Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski. Tentei lê-lo várias vezes, anos atrás. A primeira vez foi logo depois de ter lido Crime e Castigo, uma obra que me impressionou muito, sobretudo pela fineza da descrição psicológica. Karamazov não é menos precioso, nesse sentido, embora os personagens, especialmente Aliocha, sejam nitidamente mais reflexivos ou mais afeitos à teorização da vida. 
Dostoiévski me fez lembrar de  Iris Murdoch  e dos mecanismos de aperfeiçoamento do caráter. Ela sustenta que os filósofos morais modernos tem se dedicado excessivamente ao estudo das condições mediante as quais uma ação pode ser caracterizada como "certa". Ela sustenta, em contrapartida, que a filosofia moral deveria se ocupar mais com a questão: "como podemos nos tornar melhores?". Para isso, valem não só argumentos, mas também metáforas ilustrativas de nossa condição. Não conheço nada melhor do que a boa literatura para proporcionar esse tipo de ensinamento.