domingo, 25 de maio de 2008

um dos melhores lugares que conheço para aprender os preceitos da boa educação dos filhos é a Autobiografia de John Stuart Mill. Mill foi objeto de uma espécie de experimento educativo desenvolvido por seu pai James Mill em parceira com Jeremy Bentham. Os resultados de uma educação que, entre outras coisas, visava formar associações fortes de tipo salutar (associar coisas benéficas com o prazer) foram excelentes, mas também causaram grande sofrimento na alma do jovem filósofo. A excessiva racionalização e análise enfatizada na sua educação, como ele declara, enfraqueceu o poder de desenvolver os sentimentos necessários para garantir satisfação pessoal com a vida: "saber que um sentimento me tornaria feliz, caso eu o tivesse, não produzia em mim o sentimento". E numa passagem emocionante ele narra a profunda depressão que enfrentou no início da vida madura:

"Nesse estado de espírito ocorreu-me dirigir a mim mesmo a seguinte pergunta: 'suponha que todas as tuas metas na vida fossem realizadas, que todas as transformações que tu persegues nas instituições e opiniões pudessem ser efetuadas naquele instante mesmo: seria isto motivo de grande alegria e felicidade para ti?' E minha consciência, sem poder se reprimir, respondeu: 'Não!'. Meu coração então se abateu: todo o fundamento sobre o qual eu erguera a minha vida havia ruído. Toda minha felicidade consistia na permanente busca daquela meta, e esta meta já não me atraía. Como então os meios poderiam me interessar? Parecia-me que não restava mais nada por quê viver" (Autobiografia da editora Iluminuras, p. 124).
O cérebro de Mill cresceu às custas do esvaziamento do seu coração. Em boa hora foi salvo pela poesia. Uma boa educação deve enfatizar a consciência dos princípios corretos sem suprimir o sentido da paixão pela vida! Enxergar a verdade e amá-la. O difícil é encontrar a receita.

4 comentários:

Alexandre N. Machado disse...

Há um modo alternativo de ver as coisas: a felicidade não consiste em atingir as metas, mas em ter metas que ainda não foram atingidas e em agir para atingi-las.

Flavio Williges disse...

Obrigado pelo comentário, Alexandre. Não sei se ficou claro na minha postagem, mas o que ele estava dizendo é que ele foi treinado a tratar as questões da vida como dilemas racionais do tipo "se quero que tal coisa aconteça, o que devo fazer para alcançá-la". Ele diz que isso deu certo durante muito tempo, mas um dia ele percebeu que ele poderia alcançar tudo mas ainda se sentiria vazio, pois não tinha desenvolvido a capacidade de ter os sentimentos necessários para estar satisfeito e alegre com a vida. O problema dele, se entendi bem, não era atingir as metas, mas ter sentimentos apropriados. Enfim, como ele conta, o pai dele não ensinou-o a sentir, mas a pensar e isso pode resultar, algumas vezes,em resolver as coisas no plano do pensamento, mas ainda não estar de bem com a vida.

Alexandre N. Machado disse...

Eu concordo com tudo que disseste, Flávio, exceto com uma. Considere a seguinte pergunta: ele "não tinha desenvolvido a capacidade de ter os sentimentos necessários para estar satisfeito" com o que? Tu dizes: com a vida. Mas a vida, para Mill, consiste em atingir metas? Estou vivendo apenas quando as atinjo? O que o texto de Mill parece supor é que ele não tinha desenvolvido os sentimentos adequados em relação ao sucesso na tentativa de atingir metas. Isso sugere que a felicidade consiste em ter sentimento apropriados quando se atinge metas, que a obtemos quando essas metas são atingidas, se temos os sentimentos adequados. Dado que ele não foi educado para ter esses sentimentos, faltou uma condição necessária para felicidade. Atingir as metas é necessário, para Mill, mas não suficiente. O que eu disse é que talvez nem necessários seja. Podemos ser felizes tendo os sentimentos adequados com relação à nossa situação enquanto perseguimos metas, antes de atingi-las.

Flavio Williges disse...

Ok Alexandre, entendi! Acho que ele concordaria com isso.

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