quinta-feira, 29 de maio de 2008

dia desses recebo a visita de uma pregadora de não sei qual religião. Chegou perguntando se eu tinha medo do futuro, das catástrofes que podem assolar a terra...conversa vai, conversa vem, passou a me contar que os problemas políticos, a corrupção, caos na saúde, insegurança, tudo isso vai deixar de existir...por que Deus vai governar a terra...éhh!!, Deus.
Perguntei: - como a senhora sabe? "tá qui, óh, no livro de Daniel".
Eu: - sim, entendo, mas não significa que vai acontecer. Tem muitas coisas que são escritas e não acontecem.
Ela: Não, mas o Sr. sabe que a Bíblia é um livro inspirado por Deus, que tudo o que diz aqui realmente acontece.
Eu: Tenho minhas dúvidas, Senhora.
Ela: Não, mas é, pode ter certeza.
Reluto em aceitar qualquer livro ou autoridade mais sagrada que as verdades que emanam do meu peito e da minha racionalidade. Essa pequena conversa me fez pensar nas razões e nas causas do fanatismo. Eu encontro cada dia mais gente cega pela "palavra de Deus". Não sei exatamente o que acontece, mas parece que a devoção extremada provoca um tipo particular de anestesia no cérebro...os fanáticos abandonam inteiramente o apreço pelo racionalidade.
Lembrei, de cara, de uma passagem do Emerson em Auto-Confiança:
"Nada, enfim, é sagrado, a não ser a integridade de nossa
própria mente. Absolvei-vos a vós mesmos e haveis de ter o sufrágio do mundo.
Lembro-me de uma resposta que, quando bastante jovem, estava pronto para dar a
um ilustre conselheiro, que estava habituado a importunar-me com as velhas
doutrinas da igreja. Indaguei: "O que eu tenho a ver com a sacralidade das
tradições, se vivo inteiramente de uma vida interior?" "mas esses impulsos"-
sugeriu meu amigo- "podem provir de baixo, não de cima". "não me parecem ser
assim- repliquei-; "mas se sou filho do Diabo, viverei então do Diabo." (p. 40,
da edição brasileira dos Ensaios, primeira série).

Mais tarde também acabei encontrando o ensaio do Hume (foto), um filósofo muito apreciado aqui em casa, entre outras coisas, por ser um fino psicólogo e por nunca ter deixado de denunciar o zelo fanático e a falsa religião.
Da Superstição e do Entusiasmo David Hume, Ensaios Morais e Políticos, 1741. Tradução de Eliana Curado.
Que a corrupção do melhor gera o pior tornou-se uma máxima comumente
demonstrada, entre outros exemplos, pelos efeitos perniciosos da superstição e
do entusiasmo, as corrupções da religião verdadeira. Estas duas espécies de
falsa religião, apesar de serem ambas perniciosas, são bastante distintas e
mesmo de natureza contrária. A mente humana está sujeita a certos temores e
apreensões inumeráveis, procedentes ou de uma situação infeliz em assuntos
públicos e privados, ou de problemas de saúde, ou de uma disposição sombria e
melancólica, ou do concurso de todas essas circunstâncias. Em tal estado de
espírito a mente é tomada por uma infinidade de males e temores desconhecidos,
derivados de agentes desconhecidos. Quando os objetos reais de temor são
escassos, a alma, ativa em prejuízo próprio e alimentando sua inclinação
predominante, cria objetos imaginários, para cujo poder e malevolência não
encontra limites. Como estes inimigos são inteiramente invisíveis e
desconhecidos, os métodos empregados para apaziguá-los são igualmente
incompreensíveis e consistem em cerimônias, observâncias, mortificações,
sacrifícios, presentes, ou em qualquer prática, ainda que absurda ou frívola, em
que o desatino ou a malícia recomenda uma credulidade cega e amedrontada. A
fraqueza, o medo, a melancolia, juntamente com a ignorância, são, pois, as
verdadeiras fontes da superstição. Mas a mente humana sujeita-se também a uma
incompreensível exaltação e presunção, oriunda da prosperidade, da saúde
luxuriante, de espíritos fortes, ou de uma disposição ousada e confiante. Neste
estado de espírito, a imaginação se inflama com concepções grandiosas, mas
confusas, às quais nenhuma beleza sublunar ou alegrias podem corresponder. Tudo
que é mortal e perecível desaparece, como pouco digno de atenção. Segue-se uma
série completa de fantasias de regiões invisíveis ou do mundo dos espíritos,
onde a alma é livre para satisfazer-se com tudo que imagina, e que possa melhor
se adequar ao gosto e à disposição atual. Assim, eleva-se em êxtase, transportes
e vôos surpreendentes de fantasia. A confiança e a presunção aumentam estes
arrebatamentos incompreensíveis, que parecem estar além do alcance de nossas
faculdades ordinárias e são atribuídos à inspiração imediata do Ser Divino,
objeto de devoção. Em pouco tempo, a pessoa inspirada chega a considerar-se um
favorito ilustre da Divindade e, quando tomada por este frenesi, o ápice do
entusiasmo, todo capricho é consagrado: a razão humana, e mesmo a moralidade,
são rejeitadas como guias falaciosos. A loucura fanática se entrega, cegamente e
sem reserva, ao suposto arrebatamento do espírito e à inspiração derivada do
mundo superior. A esperança, o orgulho, a presunção. Estas duas espécies de
falsa religião podem dar ensejo a muitas especulações, mas eu devo me
restringir, no momento, a poucas reflexões concernentes à sua influência
distinta no governo e na sociedade.
Ver o restante da tradução em:
ttp://www.filedu.com/dhumedasupersticaoedoentusiasmo.html

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