domingo, 26 de fevereiro de 2012

Schopenhauer: Sobre poesia e filosofia



"O poeta oferece à imaginação imagens da vida, caracteres humanos e situações, põe tudo isso em movimento e deixa cada um levar seu pensamento tão longe quanto sua força espiritual lhe permite. Desse modo, ele consegue satisfazer homens das mais diversas capacidades, tolos e sábios, ao mesmo tempo. O filósofo, por sua vez, não apresenta daquela mesma maneira a vida, mas sim os pensamentos prontos que dela abstraiu e exige apenas que seu leitor pense do mesmo modo e com o mesmo alcance que ele próprio. Com isso o seu público será muito pequeno. Pode-se comparar o poeta, portanto, àquele que traz as flores, enquanto o filósofo se compara àquele que traz sua quintessência.
Uma outra grande vantagem das realizações poética em relação às filosóficas consiste em que todas as obras poéticas podem existir umas ao lado das outras sem se incomodarem mutuamente, e mesmo as mais heterogêneas podem ser estimadas e apreciadas por um só e mesmo espírito. Já um sistema filosófico, por sua vez, nunca vem ao mundo sem já ter em vista o declínio de todos os seus irmãos, tal como um sultão asiático quando ascende ao trono. Pois, assim como numa colmeia só pode haver uma rainha, da mesma forma só uma  filosofia pode estar na ordem do dia. Pois os sistemas são por natureza tão insociáveis quanto as aranhas que permanecem apenas em sua própria teia e observam quantos insetos se tornarão suas presas, aproximando-se de uma outra aranha apenas para combatê-la. Portanto, enquanto as obras poéticas apascentam tranquilamente umas ao lado das outras como cordeiros, as obras filosóficas são como animais predadores, aparentados, em sua sede de destruição, a escorpiões, aranhas e algumas larvas de inseto, que se voltam preferencialmente contra sua própria espécie. Elas aparecem no mundo como os homens em armadura, nascidos na terra dos dentes de dragão de Jasão, e como esses até o presente se exterminaram mutuamente. Tal batalha já dura mais de dois mil anos: resultará dela a uma vitória final e uma paz duradoura?
Em consequência dessa natureza essencialmente polêmica, desse bellum ominium contra omnes, dos sistemas filosóficos, é infinitamente mais difícil de obter reconhecimento como filósofo que como poeta. A obra do poeta não exige do leitor senão que ele entre em contato com uma série de escritos e que o entretenha ou que o eleve e à qual ele deve dedicar algumas poucas horas. A obra do filósofo, ao contrário, quer revolucionar toda a maneira de pensar do leitor e dele exige que considere como um erro tudo aquilo que aprendera até então e acreditava como correto, que aceite como perdido todo o tempo e o esforço que ele fez para adquirir tal conhecimento e que comece de novo a partir do início.
No máximo, ele deixará subsistir alguns fragmentos de um predecessor para a partir daí construir seu novo fundamento. A isso se acrescenta o fato de que ela reconhece como adversário todo aquele que professa um sistema já existente em virtude de sua função mesma. Até mesmo o Estado toma às vezes sob sua proteção um sistema filosófico favorito e impede o surgimento de qualquer outro utilizando poderosos meios materiais. Deve-se levar em conta ainda que o tamanho do público filosófico e o tamanho do público poético são proporcionais ao público instruído e ao número de pessoas que querem se entreter: com isso pode-se medir quibus auspiciis aparece um filósofo- É verdade, porém, que é a aprovação dos pensadores, a eleição de um longo intervalo de tempo e de todos os países, sem distinção de nação, que recompensa o filósofo".

(Schopenhauer, A.  Sobre a filosofia e seu método. Tradução de Flamarion Ramos. São Paulo:Hedra, 2010. p. 31-32)

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