domingo, 5 de setembro de 2010

Quem gosta de poesia de primeira qualidade e boa prosa deve conferir o blog no limiar do poeta Paulo Neves (foto). Quando converso ou simplesmente leio os escritos do Paulo fico com a clara sensação que nossa geração, a geração daqueles que nasceram na metade de 70 e início dos 80, é pálida e desatinada. Falta-nos tudo. Eles, ao contrário, são cheios de dignidade e força; sabem dizer as coisas. Por isso, muitas vezes, não podemos encará-los senão com medo. Paulo é um claro exemplo da grandeza de sua geração. Ao mesmo tempo, contrariamente a muitos que viveram em sua época, que viveram os anos mais difíceis da nossa história, é doce e amável como ninguém. É impossível conversar com ele sem lamentar não tê-lo conhecido antes. Abaixo um poema inédito que deve aparecer em seu novo livro de poesias.

página

Página luminosa e vertical,
como vou dialogar contigo?
No teu silêncio transparente, largo,
onde pôr o meu canto antigo?
Não és mais a página sobre a qual
debruçavam-se os sonhadores.
Agora és tu que me sonhas, num pago
indiferente às minhas dores

2 comentários:

Lucas Moreira disse...

Ao ler este este texto sinto uma mistura de angústia e dúvida acerca da minha formação cultural - e de tantos outros contemporâneos à mim - que volta e meia somos surpreendidos com comentários sobre a nossa fragilidade intelectual a cerca destes clássicos, e outros nem tão clássicos, mas que ao menos por determinada geração é considerada valiosa.
Portanto, ai está montado o dilema, ou negligencio a "acusação" que me é feita, ou me enfronho nesta cultura. Porém, ai surge outra questão. Por qual motivo tais literaturas, consideradas como fundamentais para formar uma boa cultura literária, foram exiladas por exemplo: das escoladas; onde se preconiza que seja parte responsável - do Estado - pela formação cultural almejada. Por outro lado, as famílias da bendita geração referida, que deveria legar esta cultura; os meios de comunicação - como a "TV", fonte de ócio bem pouco criativo - ou seja, qual o elo perdido entre estas duas culturas aparentemente tão próximas e tão distantes?
O que me consola é a possibilidade de troca e compartilhamento cultural, já que o modelo - se é que existe - não consegue - ao menos na totalidade - fazer o seu papel.
Obrigado pelo texto Flávio, e que haja a troca! hehe

Flavio Williges disse...

Oi Lucas,
Minhas palavras são, de um lado, motivadas por uma sincera admiração pela dignidade dos homens mais velhos. Dizem que esse sentimento é natural a todo ser humano sensível: não conseguimos olhar para nossos pais sem um misto de admiração e profundo respeito. De outra parte, no entanto, é também verdade que as gerações mais antigas foram o resultado de uma cultura e tradição muito mais solidificada e austera. Nesse sentido, não há como fugir da sensação que gerações anteriores as nossas experimentaram uma realidade muito mais crua e viva e aqueles que sobreviveram com a alma serena (como é o caso do Paulo)não podem senão ser grandes mestres para nós.
Meu convite para conhecer o trabalho dele e minhas observações sobre a fragilidade da nossa formação não pretendiam, em todo caso, produzir sofrimento na alma dos mais jovens (os jovens, como vc, aliás, sempre respondem à altura dos seus desafios e, por isso, vc viu um dilema naquilo que escrevi). Se isso aconteceu, é por que levas a sério a ti mesmo. Assim, se a dignidade e perspicácia dos antigos é uma prova do valor deles, nossa reação conturbada aos antigos (e a tua em particular) é uma prova do teu valor. Abraço

flavio