quinta-feira, 21 de agosto de 2008


Olhei o horário de propaganda eleitoral gratuita ontem. Acho que os políticos de um modo geral e, em particular, os marqueteiros, andam precisando tomar um pouco de ar fresco, ver as gentes que circulam no mundo lá fora, o mundo real que existe além do universo que criaram para si. Estou me referindo à tendência (que não sei precisar como surgiu) de fazer aqueles filminhos da vida em família. É bem verdade que a familia nuclear talvez ainda seja predominante, mas nada me convence que colocar uma mãe e um pai rodeado de filhos no horário político não seja mais do que um mero jogo de cena. Não penso diretamente na hipocrisia e no veneno que se esconde no seio da família, um veneno eternizado pelo belíssimo "Parenti Serpenti" do Mario Monicelli.
O que me importa mesmo é mostrar que um pequeno senso de realidade é suficiente para reconhecer que o conceito de família vem sofrendo mutações cada vez mais frequentes, que, no plano dos papéis, o centro das atenções no lar não são os pais, mas a televisão e, mais recentemente, o computador conectado à internet.

Do ponto de vista da identidade moral e do cuidado, a velha imagem dos pais que acompanham de perto a vida dos filhos tornou-se um símbolo esvaziado. As mães de hoje não lembram nem um pouco a velha imagem da dona de casa feliz, rodeada de eletrodomésticos, bolo quente e filhos gordinhos. Na esquizofrenia moderna, ter uma família, antes de ser um sonho cor-de-rosa, significa acordar cedo, tendo que se sujeitar a andar de ônibus, trabalhar bastante, comer em restaurantes, dormir mal. É só quando sobra tempo que extraímos um ou outro prazer do convívio com os filhos e amigos. Os filhos, portanto, são o que temos de menos, o que ficamos devendo, supondo que tenhamos a fibra para buscar o melhor para eles, pois essa fibra nem todos têm. Exagero? Pergunte a si mesmo em que medida você conhece os desejos e temores de seu filho! Em geral, não sabemos nem dos nossos. "A vida é de lascar", disse Márcia Tiburi numa palestra em Vera Cruz. E é de lascar mesmo. Ninguém mais acredita em retrato feliz. Assim, se querem me mostrar algo bonito e convincente, me mostrem uma família de pai e mães reais, verdadeiros, que erram, acertam, tem fraquezas e, às vezes, se sentem prá baixo com toda essa violência psiquíca que é estar no mundo e criar filhos com um pouco de estabilidade emocional, satisfação existencial e retidão.

Se querem meu voto, sejam humanos, mostrem pessoas de verdade, que falem com o coração e digam para as pessoas: sou homem como vocês, percebo que nossa cidade tem grandes problemas, problemas que dificilmente serei capaz de resolver! Digam que as coisas são complicadas, pois tudo mundo sabe que o mundo dos sonhos e da ilusão faz mal. Para a vida em família, para a vida na cidade, para todos problemas humanos não existe solução mágica. Não venham me dizer que o universo da rua do lado é brilhante, que nada dá errado e que posso, com o queixo elevado, resolver tudo pois sou perfeito e poderoso. Ser um bom político significa, em primeiro lugar, admitir-se como homem.

4 comentários:

Cé S. disse...

Ótima postagem, Flávio. Concordo com o que você diz sobre o conceito de família.

Infelizmente, os candidatos estão dizendo de maneira solene (em horário reservado) palavras vazias, e temos que nos posicionar de maneira crítica contra a solenidade do papo-furado.

Anônimo disse...

Incrível, mas eu acho que a mudança da relação entre pais e filhos mudou e para melhor com o ingresso da Internet na vida da gente, no lugar da TV, esta sim, silenciando pais e filhos em seus mundos.
É óbvio que a gente se chocada, quando fica sabendo que o filho está namorando pelo perfil do Orkut - eu passei por isso.
Por outro lado, ao ler blogues, fotolog, Orkut, frase de chamada do MSN, et.c, fica-se sabendo coisas que um filho jamais contaria para um pai e uma mãe (e vice-versa)- e acho isso bárbaro!
Se a gente não tem mais tempo para conversar, ou melhor, pais e filhos nunca se abriram a não ser por alguma imposição inadiável, a Internet passou a mediar os assuntos nebulosos, ou íntimos, ou o que quer que seja o tipo de situação. E essa é uma realidade muito interessante: músicas preferidas, culinária, amizades, poesias, livros, idéias, quanta coisa sei sobre meu filho sem precisar trocar uma palavra?
E não é bisbilhotar, está tudo público - o que dá outra análise, se isso é bom ou ruim.
Agora, concordo com o conservadorismo do conceito de família promovido por esses benditos programas eleitorais, a família como o paraíso na terra, sem tensões, sem dores, naquele eterno mundinho cor-de-rosa pai-mãe-filhos.

Flavio Williges disse...

Cláudia, Cesar,

Concordo com o que vcs colocaram. Fui prudente na formulação do post, mas o que gostaria de dizer mesmo é que é irritante essa coisa de tentar converter a boa imagem (o que é mesmo boa imagem) em votos. Foi essa estratégia que fez o Clinton dizer "fumei, mas não traguei" e é essa mesma estratégia que faz com que os políticos escondam sua podrice em belas imagens familiares, abrançando filhos que, provavelmente, nunca enxergam (existencialmente falando). é um tipo de falsidade como do pai de "there will be blood".

Abraço

Flavio

Cé S. disse...

Cláudia, adorei teu depoimento !