terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Bonita essa foto do filósofo romeno Emil Cioran. Mais bonita ainda é a passagem abaixo sobre o fanatismo. Imagino que o amigo César goste muito dela, embora eu a julgue um pouco exagerada. Entre aqueles que tinham uma "concepção da vida" contam-se bons homens. As mortes e a dor que a crença na verdade produziu não podem ser pretexto para a irrazão e o cinismo, para transformar o absurdo em espetáculo. Embora não conheça, suspeito que o pessimismo do Cioran acabe nessas terras. Deve haver algo como uma luz radiante sobre toda essa bagunça e desvios que percebemos cá no mundo sublunar, deve haver a realidade de Platão, uma idéia do Bem tranquilizadora, governando tudo. O problema, como sempre, somos nós os cegos e rotos que tateiam na escuridão. A passagem completa está no blog do Antonio Cicero.

Em um espírito ardente encontramos o animal de rapina disfarçado; não poderíamos defender-nos demasiado das garras de um profeta... Quando elevar a voz, seja em nome do céu, da cidade ou de outros pretextos, afaste-se dele: sátiro de nossa solidão, não perdoa que vivamos aquém de suas verdades e de seus arrebatamentos; quer fazer-nos compartilhar de sua histeria, de seu bem, impô-lo a nós e desfigurar-nos. Um ser possuído por uma crença e que não procurasse comunicá-la aos outros seria um fenômeno estranho à terra, onde a obsessão da salvação torna a vida irrespirável. Olhe à sua volta: por toda parte larvas que pregam; cada instituição traduz uma missão; as prefeituras têm seu absoluto como os templos; a administração, com seus regulamentos — metafísica para uso de macacos... Todos se esforçam por remediar a vida de todos; aspiram a isso até os mendigos, inclusive os incuráveis: as calçadas do mundo e os hospitais transbordam de reformadores. A ânsia de tornar-se fonte de acontecimentos atua sobre cada um como uma desordem mental ou uma maldição intencional. A sociedade é um inferno de salvadores! O que Diógenes buscava com sua lanterna era um indiferente.

CIORAN. Breviário de decomposição. Rio de Janeiro: Rocco, 1989

2 comentários:

Giovani Felice disse...

Flávio

Eu não conheço a filosofia de Cioran. Mas nessa passagem, que eu também acho bela, parece que ele vê decadência demais... Eu acho tal passagem, de fato, impressionante. Admiro aqueles que concebem a filosofia como um modo de vida, mas eu acho exagerado (para usa a tua palavra) quem enfatiza tanto um (ou dois) modo (s) de vida (e.g.,o do pirrônico, ou o do cínico) e se ensurge com tanta fúria contra outros. De resto, eu acho que levantar-se contra "fanatismos" é algo louvável quando a gente está muito lúcido de não ter se tornado um fanático.
Um abração.

Flavio Williges disse...

Giovani,

Uma coisa que sempre admirei em ti é tua capacidade de tratar com a mesma seriedade autores da vertente lógica da filosofia e autores como Nietzsche, Sartre, Cioran e outros "marginais".
Eu também não conheço Cioran. Até onde sei, ele é extremamente pessimista. Um dos livros dele chama-se "Do incoveniente de haver nascido". Mas como todo grande filósofo, quando olhamos mais de perto, talvez as coisas não sejam bem assim. Projeto futuro: ler uns livros e algum comentário bom do Cioran.
Grande abraço

Flavio