terça-feira, 8 de julho de 2008



Férias


Finalmente a locomotiva de julho chegou! Para professores e estudantes esses dias de descanso são cheios de reflexão. Dizem que os professores estão entre os profissionais que mais cedo abandonam as crenças idealistas em torno da sua prática profissional. Cansei um pouco do semestre, em sentido psicológico, mas não deixei de ser idealista. Ainda tenho esperança e a esperança, como dizia Rousseau, "a tudo embeleza". Mas por que fiquei cansado, se ensinar é minha vida?
Talvez por pensar no significado de "ensinar", na natureza complexa desse tipo de relação. Uma coisa que vem ocupando meus pensamentos é o que podemos entender por “êxito” na tarefa de ser professor. O sucesso em educação é uma variável das mais difíceis de medir. O que devo levar em conta para definir que as coisas andaram bem?
Frequentemente considero um conjunto mínimo de condições nas disciplinas propedêuticas que leciono: o domínio do conteúdo, do conhecimento e habilidades como capacidade de elaboração textual rigorosa, construção de argumentos e raciocínios com uma estrutura lógica consistente e qualidades morais e espirituais como a dedicação, esforço, capricho, amor pelo saber e a cultura. Poderia resumir tudo isso nessas palavras: competência técnica e competência ético-política. Quando meus alunos (e eu mesmo) mostro essas qualidades, considero que o semestre foi bem-sucedido.
Mas existem outras circunstâncias envolvidas na vida acadêmica, circunstâncias bem mais intangíveis, que respondem mais diretamente pelo meu sentido de esgotamento. Existe um registro subjetivo-existencial, da experiência do ser, que deveria ser monitorado na aprendizagem, um registro em que as ditas habilidades do mundo acadêmico são relevantes, mas não cobrem o universo inteiro da educação. Posso dar um exemplo: várias vezes converso com meus alunos, mas noto que não consigo ultrapassar o silêncio e a distância que o espaço da sala de aula e dos corredores cria. Então às vezes ensinar significa perder, aceitar uma separação definitiva de almas, como duas vozes e seres que falam, conversam, mas não se encontram. E esse sentido de afastamento, de não conseguir contato rico e significativo, como mensurá-lo quando queremos que o trabalho e a vida escolar nossa e dos outros seja boa e significativa? Além disso, se os mundos do aluno e do professor, por mais que tentemos, tendem a andar em direções opostas, como posso dizer que existo efetivamente para meus alunos, que minha presença é absorvida e esperada, em vez de ser um dia áspero?
Como tudo o mais na vida, ensinar não é uma atividade transparente; é recheada de palavras, de tentativas de explicar e dizer, mas também de desencontros, de silêncios e quebras. Espero o dia em que a pedagogia seja capaz de adentrar no universo existencial e nos ajude a entender melhor os limites da transferência e da partilha. Precisamos de uma pedagogia do intercâmbio das almas e da sua manifestação. Um pouco mais de amanhã, então.

7 comentários:

Cé S. disse...

Sabe Flávio, não planejei ser professor (ao contrário), mas acabei nas salas de aula por estar sempre estudando, e por estar sem emprego. Bem, o que descobri, lecionando, é que sou útil aos outros, que torno a vida alheia melhor. Isso foi uma grande descoberta pra mim, e é isso o que faz que eu não troque a profissão de professor por nada.

Leciono pensando no futuro. Espero que meus alunos sejam mais felizes por saberem mais, e também que eles me corrijam e me superem no que não pude ver ou entender.

Flavio Williges disse...

Pois é, César, também gosto de ser professor. Sempre tive planos de ajudar pessoas e a educação é uma boa forma de cumprir essa tarefa. Mas ultimamente tenho vivido inquietações heideggerianas sobre o silêncio e a distância que o espaço da sala de aula e dos corredores cria...Acho que existe um registro subjetivo-existencial, da experiência do ser, que deveria ser monitorado na aprendizagem, um registro em que as ditas habilidades do mundo acadêmico são relevantes, mas não instituem o universo inteiro da educação. Não sei bem como caracterizar o que estou pensando.
Estou contigo na questão dos alunos melhorarem ou superarem o que fazemos.

Anônimo disse...

Quem dera todos os professores refletissem como tu estas fazendo!
Também tenho ideais que penso realizar através do ensino, pois talvez este seja o único caminho para resgatar estas “almas” e se alguma for salva, então vale a pena.

Flavio Williges disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Flavio Williges disse...

Jaque,
Obrigado pelo comentário. Contigo me entendo perfeitamente, mas nem sempre é assim com todo mundo. Então, às vezes, parece que nossa tentativa de traduzir algo fica sobrando, como se a vida também sobrasse um dia e a passagem das horas fosse apenas o corpo, vagando, sem alma por dentro.
F.

Fabian disse...

Oi Flávio,
assim como o César, também não planejei ser professor. Aconteceu por uma necessidade mundana.
Com relação à postagem, dois comentários breves.
1) O Heidegger tem um texto maravilhoso onde ele diz que o professor nada mais é (acrescento: deve ser) do que o melhor aluno, aquele que mais aprende. Nesse sentido, não há, digamos assim, uma diferença categorial entre alunos e professores.
2) A distância a que te referes talvez possa também ser procurada na cultura portuguesa, naquela melancolia típica de Fernando Pessoa, do gentio da terra que se perde no mar infinito. Uma análise sociológica bacana sobre esse traço da cultura lusitana incorporada na nossa encontra-se nos Donos do Poder do Faoro.
Grande abraço,

Flavio Williges disse...

Ai Fabian,

Valeu pelos comentários. Qual é o texto do Heidegger e do Faoro?
Vou colocar teu blog, do Jonadas, do Rogério, aqui, mas ainda não tive tempo e nunca sei direito como se faz.
abr.
F.