sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Piaf


Assistir Piaf me fez lembrar o quanto a dor pode ser bela. Toda grande biografia é uma lição tocante, um alento no registro insípido em que a vida geralmente passa. Piaf certamente não teve uma vida comum, ela guardava em si a força de uma natureza triste, terna e dilacerada. Uma artista que ensina muito para nossa época tomada de insensibilidade e vagueza, uma época de gente doente, que não vive o amor, que não conhece revolta, nem ânsia. “Non, Je ne regrette rien”. “Não, eu não me arrependo de nada”. Essa letra é minha vida, ela diz. E eu e tu não nos arrependemos de nada?
A vida por aqui transcorre como um passeio vago, com um ou outro sobressalto e tudo o mais não é significativo...sintoma de uma febre lenta, de uma morte que se distribui um pouco a cada momento. Não vivemos, pois que a vida sempre fica um pouco para trás. Nada estoura nossos nervos, nenhum vício medonho nos alicia! Nossos lábios não pedem. Engolimos muita coisa e quando aceitamos algum chamado, o fazemos com vergonha, pois o alinhamento tornou-se mais forte que toda grande tarefa. Nenhum homem de hoje se levanta. A incrível história dos homens quietos e calados.
Vejam um retrato do Brasil recente: a governadora audaciosa quer equilibrar as contas do Estado, o Rubinho aceita qualquer coisa em troca de um bom salário, a seleção que convoca os melhores atletas do Brasil.... patrocinados pela Nike, a arte, a filosofia, a literatura nem sabe se existe. Ainda que seja necessário, um grande homem não deseja passar seus dias fazendo contas, ele deseja ver o mundo crescer em dom, em virtude . Até o estúpido Chaves me anima mais que esse retrato parado!
Hoje não existe verdade maior que o homem, não há mais heroísmo de pessoas que abandonam tudo. Apatia e simpatia, a sintaxe do nosso tempo. A vida de Edith Piaf ilustra a lógica triste da nossa submissão. Quando vemos a Bolívia analfabeta e pobre se sacudindo, estranhamos que no vizinho gigante toda tragédia termine sempre no silêncio. Uma democracia calada...essa é nossa história. Ninguém clama por nada. As mortes a paulada, os faconaços aqui por perto, a miséria, a crueldade, nada disso nos toca, nem comove. E não era justamente esse estoicismo canhestro que retratava o mundo desprovido de força, desprovido de vida, do campo de extermínio? Primo Levi: “Foram justamente as privações, as pancadas, o frio, a sede que, durante a viagem e depois dela, nos impediram de mergulhar no vazio de um desespero sem fim. Foi isso. Não a vontade de viver, nem uma resignação consciente: dela poucos homens são capazes, e nós éramos apenas exemplares comuns da espécie humana”.

Um comentário:

Ulysses Dutra disse...

Oi Flávio

Valeu a visita e comentário. Seja sempre benvindo.

Um abraço festivo