Quando vim pela primeira vez ao Ocidente, fiquei chocado com o contraste entre as atitudes em relação à morte com que eu havia sido criado e as que então encontrei. Apesar de todas as suas conquistas tecnológicas, a sociedade ocidental moderna não tem uma compreensão real da morte ou do que acontece durante ou depois dela. Aprendi que as pessoas hoje são ensinadas a negar a morte e a crer que ela nada significa, a não ser aniquilação e perda. Isso quer dizer que a maior parte do mundo vive negando a morte ou aterrorizado por ela. Até falar da morte é considerado mórbido, e muitos acham que fazer uma simples menção a ela pode atraí-la sobre si. Outros olham a morte de modo ingênuo, com uma jovialidade irrefletida, achando que por alguma razão desconhecida vão se sair bem ao passar por ela, não havendo motivo para preocupação. Quando penso neles lembro-me do que diz um mestre tibetano: “As pessoas frequentemente cometem o erro de ser frívolas em relação à morte e pensam: ”Ora, a morte chega para todo mundo. Não é nada de mais, é apenas natural. Tudo irá bem para mim” . Essa é uma bela teoria, até que se esteja morrendo” (Chagdud Tulku Rinpoche, A vida e a morte no budismo tibetano, Porto Alegre: Paramita, 1994.) Dessas duas atitudes diante da morte, uma a vê como algo de que se deve fugir correndo, outra como um fato que simplesmente irá cuidar de si próprio. Como ambas estão distantes da compreensão do seu verdadeiro significado! Todas as grandes tradições espirituais do mundo, inclusive , é claro, o cristianismo, dizem explicitamente que a morte não é o fim. Todas falam em algum tipo de vida futura, o que infunde em nossa vida atual um sentido sagrado. Mas, não obstante esses ensinamentos, a sociedade moderna é em larga escala um deserto espiritual em que a maioria imagina que esta vida é tudo o que existe. Sem qualquer fé autêntica numa vida futura, a maioria das pessoas vive toda a sua existência destituída de um sentido supremo. Cheguei à conclusão de que os efeitos desastrosos da negação da morte vão muito além da esfera individual: elas afetam o planeta inteiro. Crendo basicamente que esta vida é a única, as pessoas do mundo moderno não desenvolveram uma visão a longa prazo. Assim, nada as refreia de saquear o planeta em que vivem para atingir suas metas imediatas, e agem com um egoísmo que pode tornar-se fatal no futuro. De quantas novas advertências ainda precisamos, além desta do ministro brasileiro do Meio Ambiente, responsável pela floresta amazônica? “A moderna sociedade industrial é uma religião fanática. Estamos derrubando, envenenando e destruindo todos os sistemas vivos do planeta. Estamos assumindo dívidas que nossos filhos não poderão pagar..... Agimos como se fossemos a última geração no planeta. Sem uma mudança radical no coração, na mente, na visão, a terra se extinguirá como Vênus, calcinada e morta” (José Antonio Lutzenberger, citado no Sunday Times, de Londres , março de 1991.) O medo da morte e a ignorância sobre a vida após a morte estão alimentando essa destruição do meio ambiente que está ameaçando tudo em nossas vidas. O mais perturbador nisso tudo não é o fato de que as pessoas não recebam instrução sobre o que é a morte, ou como morrer? Ou que não tenham esperança alguma no que vem após a morte, no que está por trás da vida? Pode alguma coisa ser mais irônica do que a existência de jovens altamente educados em todos os campos do conhecimento, exceto naquele que detém a chave do sentido global da vida, e talvez até da nossa sobrevivência? Sempre me intrigou que alguns mestres budistas que eu conhecia fizessem uma simples pergunta às pessoas que se aproximavam deles buscando ensinamentos: “você acredita numa vida depois desta?” Não se trata de saber se a pessoa acredita nisso como uma proposição filosófica, mas se sente isso no fundo do seu coração. O mestre sabe que, se alguém acredita numa vida futura, sua visão de mundo será diferente e terá um outro sentido de responsabilidade e moralidade pessoal. O que os mestres suspeitam é que aqueles que não tem uma crença firme numa vida após a morte, vão criar uma sociedade fixada em resultados a curto prazo, sem qualquer preocupação com as consequências dos seus atos. Seria essa a principal razão pela qual criamos um mundo brutal como este em que vivemos, um mundo em que a verdadeira compaixão está quase ausente? (Pgs. 24,25,26) Rinpoche, Sogyal. O Livro Tibetano do Viver e do Morrer. São Paulo: Talento: Palas Athena, 1999.
segunda-feira, 29 de março de 2010
A morte no mundo moderno de Sogyal Rinpoche
Gostei do texto que segue abaixo. Não creio que a vida pós-morte seja o único fator capaz de nos tornar mais éticos (o respeito ao dever, por exemplo, poderia sê-lo), mas nas trevas da nossa época, parece-me que o recado é válido.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário