Os anos são contados em linha reta ou círculos? Os meus já foram contados em linha reta. Antigamente eu corria, corria e queria chegar antes no final do caminho; queria saber o que encontraria "lá", como se o melhor e único prazer do autor fosse contemplar a obra pronta. Não experimentava a fortuna sutil de ser um caminhante que desfruta cada manhã, cada pedaço da grama verde pisada, cada folha do livro emprestado que li sozinho ou embalado em algum diálogo amigo. Mas meu tempo hoje dança noutro ritmo. A vida anda cheia de retornos, de retomadas. O cenário nem sempre é o mesmo, muda uma ou outra figura. O palco e os atores são os mesmos. Ontem mesmo estive, por uma hora e depois de uns 12 anos, conversando com o Manuel, morador do bloco dos funcionários, no Campus da UFSM. Morei lá por perto quase uma década e ver aquelas paredes, rebocos e as ervas velhas, plantadas entre lajes de cimento, brotando nas calçadas, me fez enxergar o quanto eu voltei.
Manuel era o barbeiro dos moradores da Casa do Estudante- CEU II (A CEU I fica no Centro de Santa Maria). Ganhava a vida cortando cabelo e vendendo "nega maluca" feita pela sua esposa, a Catarina. Nos tempos mais difíceis chegou a trocar um liquinho de gás por 50 cortes de cabelo. "Baitá negócio! Eu precisava do liquinho e fulano precisava cortar os cabelos", me disse. Precisava, precisão! Era assim, afinal, a vida que levávamos: matando cachorro a grito e resistindo ao mar revolto, um agarrado no ombro do outro. Sobrevivemos...com a alma intacta ou, ao menos, aparentemente lúcida. E ver o passado que foi e o presente que somos é como ver o tempo rodar, rodar, carregando nossa alma dentro dele, feito redemoinho. O eterno retorno do Nietzsche. Eis aqui a célebre passagem:
O maior dos pesos.- E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: "Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem- e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse insante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente- e você com ela, partícula de poeira!"- Você não se prostaria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: "Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!". Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, "Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?", pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela? (Gaia Ciência, parágrafo 341)
Nenhum comentário:
Postar um comentário