sábado, 29 de maio de 2010

No coração do Rio Grande




Ontem foi meu último dia de trabalho na Unisc. Meus alunos e colegas do Curso de Filosofia organizaram uma bela despedida, uma despedida que, seguramente, eu não mereço. Por conta do término dessa fase, os últimos dias foram acompanhados de uma melancolia triste e leve, algo como um vazio não-dolorido e ainda, ao mesmo tempo, não-natural. 



Minhas aventuras filosóficas serão, doravante, na UFSM. Foi em Santa Maria que me licencei em filosofia no ano de 96, fiz mestrado até 1998 e agora retorno como professor, depois de um intervalo de 11 ou 12 anos. Sinto-me honrado com a aprovação, com o novo emprego, especialmente pelos colegas que terei por lá, professores que admirei e admiro, mas sobretudo por que voltar à UFSM representa um retorno a mim mesmo, à minha matéria e forma. Não tenho ciência precisa do que Santa Maria significou e significa na minha história pessoal, mas lembro até hoje do gosto daquelas ruas, das conversas e experiências inesquecíveis com amigos, os dias quentes e do desejo de acertar de vez as contas com o percurso  aberto, indefinido, da vida de estudante. 


É certo que, na idade da razão, por nada se morre de amores. Aprendemos a racionalizar. Minha nova experiência não será como as experiências do passado e nem eu sou mais aquele que fui. Mas guardo a viva esperança de ver renascer minha antiga intimidade com a Santa Maria da Boca do Monte; afinal, como dizem aqueles versos, foi no coração do Rio Grande, "que aprendi a amar/domei a força gaudéria e me apeguei ao lugar".



quarta-feira, 19 de maio de 2010

Oriente

Eu gosto do Oriente. Só não entendo as coisas que os orientais escrevem nesse blog. Será algum vírus ou é de verdade?

terça-feira, 18 de maio de 2010

sobre o acordo construído pela diplomacia brasileira com o Irã

Retirei esse bom texto do RS Urgente.

As primeiras reações dos governos ocidentais foram de estupefação. A aposta generalizada de vários líderes era em fracasso na missão a que se propusera o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Não apenas por desacreditarem de sua fórmula, mas principalmente pelos problemas que lhes acarretariam se vingasse a via negociada na tensão com o Irã.
São para deixar com a orelha em pé as desconfianças e resistências exacerbadas com as quais, em certas áreas, foi recebida a assinatura do compromisso de Teerã. Inglaterra, França, Estados Unidos e Alemanha – com maior ou menor grau de desenvoltura – preferiram questionar a eficácia do acordo a reconhecer o estabelecimento concreto de novos paradigmas.
Seus porta-vozes recorrem a argumentos frágeis. Um deles é que o Irã não estaria transferindo todo seu estoque de urânio para a Turquia, quando a própria Agência Internacional de Energia Atômica já calculara que a neutralização de 1,2 mil toneladas do minério seria o suficiente para anular qualquer projeto atômico de caráter militar. No fundamental, os termos do acordo são os mesmos da proposta oferecida por Estados Unidos, Rússia e França há oito meses, pela qual o Irã deveria entregar ao redor de 70% do seu urânio enriquecido a mais de 5%. (Leia a íntegra do artigo de Breno Altman)

domingo, 16 de maio de 2010

universidade e mercadoria



Um dos fenômenos mais intrigantes da nova cultura de consumo é a exigência de moldura, de um contorno simbólico envolvendo os diferentes objetos. A mercadoria existe para ser trocada. Ela precisa  circular. A moldura faz o papel de torná-la palatável para o consumidor ávido de irrealidade. Nada pode mostrar-se como é. É preciso envolver a  realidade e seus objetos num verniz nobiliário, que "apresente" o produto e  anule o risco de desintegração, de dor, de deslocamento e mal-estar no fruidor. Uma cultura de bens verdadeiros desloca, agride, altera a superfície das coisas; a nossa cultura empobrecida  falsifica e remove o veneno das coisas, suas máscaras ocultam ideais políticos e individuais de liberdade, república, democracia, pensamento, significação da vida e do mundo. Esse deslocamento se dá em diferentes âmbitos. O mais notável pelo seu poder transformador são os usos e abusos da  linguagem.
A linguagem sempre foi uma ferramenta volátil. Podemos dizer de muitas maneiras uma mesma coisa. "As rosas estão murchas", "As rosas perderam seu brilho e perfume", "onde fica o banheiro?", "com licença, podes me dizer onde fica o toillette?". O simples gesto de usar uma palavra estrangeira ou acrescentar um substantivo pode alterar profundamente a percepção das frases de um falante. As palavras doam personalidade a seres humanos e aos produtos que representam, são parte de uma construção simbólica que envolve multiplos elementos. Mais uns exemplos.

O corpo físico, as barbas, cabelos e unhas que crescem já não são tratadas pelo barbeiro, mas pelo "Coiffeur", um termo que certamente, seja qual for seu sentido original, significará, para um bom ouvinte da lingua portuguesa, algo descolado, moderno. As bebidas que engolimos no fim da tarde ou da semana para aguentar o porre imenso das rotinas de trabalho sufocante são "drink" ou "ice" e fazem a necessidade vital de amor e satisfação humanos (já transmutadas pela mercadoria em necessidade de entorpecentes) num hábito chic e sofisticado. Mas o exemplo mais marcante e digno, e foi reconhecendo seu abuso que resolvi escrever este poste,  que deveria ser objeto de atenção de todas os homens que fizeram da universidade sua vida é o adjetivo, próprio da língua portuguesa,  "universitário". As prostitutas que desejam ser tidas como nobres apresentam-se como "universitária carinhosa e sensual". O forró, o sertanejo, o pagode, que supostamente foram, na sua origem, manifestações culturais de resistência, de sublimação do cotidiano e elevação do drama humano à condição de lamento produtor de catarse (como ilustram as modas antigas de viola, melodias de forró e pagodes) tornou-se, para ser aceito e consumido pela classe média, qualquer um desses termos acompanhado do adjetivo "universitário". Para ser consumida por um público cada vez mais incapaz de definir-se simbolicamente (ao custo da despersonalização e da manutenção do preconceito) os ritmos deixam de ser e dizer o que deveriam dizer. Qualquer coisa universitária é cult, pois nega o Brasil feito de caipiras, de guetos de negros pagodeiros e sua cultura ou os nordestinos exilados, com frio, de olhos feios.  Dizer que um gênero musical é "universtário" significa, nesse caso, dizer que a música rústica e visceral foi domesticada por sua incorporação pela atmosfera menos austera da universidade. Na dupla lógica do mercado, a referência à universidade serve para a prostituta barata e feia transformar-se em objeto de apelo e desejo do novo consumidor, que não quer o grotesco, mas aceita e se diverte com o  elegante e refinado.No caso da música, a força, pureza e brutalidade dos versos antigos, com suas gírias e identidade, assume um tom destituído de qualquer crítica ou estudo do amor, do trabalho, da vida, para assumir o sentido divertido e alegre das festas universitárias.  Se de um lado há descaracterização da cultura sufocada de negros, de homens do campo e nordestinos, de outro o contexto "universitário" deixa de ser o local da cultura, para ser o mundo da leveza, da maquiagem. É um destino triste para a universidade. Um destino que não lhe faz juz, como também não parece ser um destino legítimo para a música de raiz tornar-se "universitária" e divertir multidões surdas. O entendimento, a verdade, o que quer que seja que um compositor triste escreveu no meio do nada, seu desejo de sucesso, sua falta de inteligência, os batuques  e poeira, nada disso pode ser engolido, pois ninguém quer engolir coisas frias como a violência histórica ou a hostilidade do presente. O animal humano quer sua refeição manipulada na frigideira flex da mercadoria multifuncional do tempo presente, uma frigideira que sempre prepara um alimento sem gosto, o alimento certo das pessoas sem rosto. 

P.S: Esse poste foi escrito como uma reflexão momentânea. Agradeço o envio de comentários e sugestões de aprimoramento.