domingo, 25 de abril de 2010

Coetzee, filosofia e literatura

Recentemente tive a felicidade de ser convidado para uma banca de mestrado sobre a obra Desonra de J. M. Coetzee. A leitura do texto não estava nos meus planos, de modo que meu encontro com esse escritor foi um tanto forçado. Posso dizer, em todo caso, que descobri em Desonra um excelente texto literário-filosófico, um texto que, num futuro próximo, espero explorar mais profundamente. Não creio que Coetzee tenha alguma pretensão filosófica explícita. A pretensão dele é fazer boa literatura. Talvez o elemento filosófico mais marcante de sua produção seja militância a favor dos direitos dos animais. Em todo caso, há um embate filosófico-moral que atravessa Desonra e que responde por boa parte de seu valor artístico.  Esse embate poderia ser formulado dizendo que David, o personagem principal, habita um mundo ideal, o mundo de um galã de meia-idade, separado duas vezes, que come suas alunas e que vive, como todo burguês moderno, um eterno romance com seu "eu" ideal, um "eu" de desfrute estético, infinito e encantador. Ele lembra, nesse aspecto, boa parte da fábula contemporânea do homem livre, sem laços e que se auto-constitui a partir dos padrões de um capitalismo estético, sensual e descompromissado moralmente (representado pela decoração de interiores, dos carros, das roupas e dos relacionamentos voláteis). David é surpreendido, na trama, por uma violência brutal, cru e sem sentido: o estupro de sua filha e o fogo ateado a seu corpo. A violência e a reação dos personagens diante dela, além de tocar em questões difíceis da história recente da África do Sul, faz emergir um sentido de realidade concreta, tangível, fria e desoladora que não desfilava na primeira parte do livro. O personagem morre como figura ideal e reaparece como um humano simples, esquisito, sem graça. A transfiguração do infinito em finito é o tema filosófico que localizei no texto; eu poderia colocar esse aspecto em termos psicológicos como parte de um processo de amadurecimento, mas o ponto é mais existencial: a realidade humana é finita, mortal e não há razões para a sua crueza, de modo que qualquer sonho de infinitude não resiste muito tempo. O que há de filosófico nisso? A resposta dessa questão me levaria um pouco longe, mas basicamente reside na idéia de estabelecer mecanismos para lidar com nossa própria finitude, estar em casa com ela. As melhores filosofias que conheço são tentativas de articular a dualidade finito/infinito. As filosofias que mais admiro articulam-se na base da aceitação dessa dualidade ou ambiguidade do humano. Não existe saída fácil, em poucas palavras. Um bom texto filosófico deve ser capaz de montar esse esquema para seu leitor. Filosofia e literatura, nesse sentido, andam juntas. A boa literatura permite, através de suas imagens, estabelecer o nexo existente entre a vida material, finita e mortal e as nossas fantasias idealistas de liberdade e plenitude. A boa literatura ilustra o que o filósofo quer expor em conceitos. Desonra de Coetzee parece apostar em algum tipo de resignação frustrada e pobre em relação à finitude. Outros textos literários parecem explorar alternativas mais ricas. Mas qualquer texto literário que torne essa relação mais transparente, como faz o texto de Coetzee, presta já um grande serviço para extirpar as brumas que envolvem nossa condição.

sábado, 24 de abril de 2010

Clarice

"Eu medito sem palavras e sobre o nada. O que me atrapalha a vida é escrever.[...] Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode dar uma prova da existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar. Acreditar chorando". (Clarice Lispector em A hora da Estrela).

segunda-feira, 12 de abril de 2010

comunista

Ando lento aqui no bloguinho. Meu bebezinho tem pedido bastante atenção e, sinceramente, prefiro ficar com ele. Às vezes também tenho essas crises de desconfiar que blogs e toda a parafernalha da internet (essas ferramentas que permitem exposição pública) nada mais faz do que nos distrair dos temas sérios da vida. Mas penso essas coisas muito raramente. Já descobri textos excelentes na internet, de modo que ela me parece, no mais das vezes, um bom espaço para manifestação criativa. Nesse caso, devo admitir como um fato que ando pouco criativo, pouco produtivo e cansativo. Não sei se é a idade chegando ou o quê! Lar não me falta, comida não falta, leituras também. Mas da alma pouca letra salta e quando salta é assunto complicado demais prá escrever assim numa sentada. Hoje, por exemplo, estive pensando em me filiar. Pensei no partido comunista. Sou contra a propriedade comum. Sou a favor da propriedade privada. Mas falando com uns comunistas amigos meus, descobri que agora o projeto do partido comunista é outro: atacar as mega-corporações.  O tema é importante, mas será que vale minha filiação? E de onde saiu essa minha ânsia de ter um partido? Mas se eu for me filiar a um partido, deverá ser num partido tradicional, um partido de, no mínimo, 50 anos, mesmo que tenha poucos filiados, pouca estrutura e pouca coisa realista para dizer. Um partido que não cresceu em 50 anos deve ser como eu: incapaz de mudar no essencial, incapaz de abandonar velhas crenças, mas ainda assim capaz de vencer o tempo e ficar vivo.